Ascensão do Cristianismo (Fragmento)
Quando queremos falar sobre o processo de ascensão do Cristianismo na Europa entre os séculos I e VIII, é preciso que se tenha em conta que estamos a falar sobre os primórdios da religião cristã em si. Lembremo-nos que, no século primeiro foi o período em que Jesus andou pelo mundo e que Paulo dogmatizou a crença, e que no século V Agostinho de Hipona a filosofou de vez. Porém, mais do que isso, é preciso que se veja que situações a religião emergente teve que enfrentar para legitimar-se como a única dentro do império e dentro dos reinos bárbaros; falaremos da sociedade romana pré-cristã de facto, pois que, como uma nova proposta diferente às concepções romanas de ética, os cristãos tiveram um árduo trabalho a realizar na mente de uma sociedade pagã como a romana. Pois bem, lá vamos nós...
Comecemos por Jesus de Nazareth, o enigmático homem que cuja imagem influencia milhares de pessoas. Ou pelo menos a imagem que se tem dele, posto que o mesmo nunca deixou nada escrito, por isso tudo o que se sabe dele é o que os seus seguidores dizem sobre ele. Então não nos prendamos muito à sua figura, concentremo-nos no que sucedia ao seu redor, na Palestina do século I. Desde a antiguidade que a região Cananéia é um ponto de encontro entre vários povos pela sua posição estratégica no interior do mediterrâneo, Mare Nostrum, e uma região de conflitos. Os judeus, povo enérgico no que cria como forma de defender sua cultura e identidade nacional, agarrava-se com todas as suas forças à religião de seus ancestrais, segundo Peter Brown, a única maneira de afirmar sua liberdade. Entretanto, vivendo baixo a égide de Augusto, o “povo eleito”, tinha que se deparar constantemente com a adoração de outros deuses dentro de sua pátria, juntamente com outras doutrina filosóficas que, com certeza, vieram influenciar os inauguradores da doutrina cristã. O mais assíduo deles é o nosso famoso Paulo de Tarso, o homem que, de facto, estruturou a dogmática cristã, tendo como principais vetores: Jesus como filho de Deus, cumpridor da lei (Torá) e dos profetas (Navi’im); o proselitismo, o que distancia o cristianismo do judaísmo, que era uma religião racial e a prática da caridade como ponto fundamental dos remidos no sangue do Cordeiro. Entretanto, como se disse mais acima, não foi fácil encontrar aceitabilidade dentro dos ramos judaicos e muito menos dentro das massas. Com isso queremos dizer que o cristianismo jamais foi uma religião popular, ela se afirmou dentro das classes alta e média, classe da qual o próprio Paulo era membro. Mas, mesmo nelas, houve um obstáculo ideológico a ser passado.
Façamos então uma pequena análise das estructuras ideológicas do império quando do advento do cristianismo. Segundo Peter Brown, havia em Roma uma grande relação do homem nobre em relação à sua civitas, isto é, por pertencer a uma, esse homem deveria ser educado para conduzi-la e o primeiro passo dessa educação era afirmar esse homem como membro de uma classe dirigente e, como tal, toda a sua vida seria regrada por isso: seus gestos, seus actos, sua forma de respirar, da andar, enfim todos os requebros d’alguém que, sem dúvida alguma, carrega um rei na barriga. No que concerne à vida privada, citemos apenas à questão do matrimônio, um bom patrício deveria ter um bom lar, pois lá que primeiro devemos mostrar nossa nobreza e nossa autoridade, porém ter cuidado no que concerne às questões sexuais, é preciso manter as energias para o bom exercício da cidadania romana, não é bom que se de lugar a vícios. Entretanto se partirmos pra o âmbito público é lá que vemos toda a dinâmica social, pratica da popularitas, patronatos etc. Enfim, tudo no sistema romano era voltado legitimar classes dirigentes. No que concernia à religiosidade, esta se caracterizava pelo seu carácter particular, isto é, religião era feito time de futebol, cada qual tinha o seu e isto não interferia em nada na vida do império. Como conseguir mudar esse quadro e torná-lo favorável à infiltração do cristianismo no regnum romanorum? É aí que entra Paul Veyne com a questão O cristianismo como obra de arte.
Dizem que a melhor forma de dominar uma idéia é criar uma idéia melhor e, de facto, foi isso que o cristianismo fez. Ele propôs novas respostas às perguntas que a mentalidade romana exigia. Em primeiro lugar ela não era só uma adoração particular sem nexo com a realidade, mas, pelo contrário, ela procurava afirmar-se filosoficamente usando-se da filosofia grega, principalmente Platão. Em segundo lugar, a practica religiosa estava intimamente atrelada à questão pública, se tu eras cristão, devias demonstrá-lo com teus actos, ser um exemplo para que a luz de Cristo emane de ti. Entretanto tais atitudes não constituíam um acto de uma pessoa isolada, pois que, como nova criatura em Jesus, fazias parte do corpo do mesmo, isto é, de sua igreja, o que fazia com que não te sentisses só. Além do mais, essa assembléia (Ecclesia), tinha uma estructura de leis, uma doutrina a ser seguida, além de uma estrutura moral que orientava o fiel. O Deus cristão caracterizava-se por ser bastante accessível, além do apoio que quem o servisse encontraria junto à igreja. E, além do mais, havia uma recompensa, havia um sentido pra essa vida, o paraíso. Tudo isso desencadeou uma querela entre cristãos e pagãos, que acabou sendo vencida pelos cristãos. É claro que nem só de filosofia viverá o homem, mas de toda situação econômica dada pelas circunstancias. À medida que os cristãos foram se afirmando dentro da classe média, eles passaram a ser um grupo importante e, sabendo-se que no século III o império beirou o colapso, invasões bárbaras, crise militar, questionamento da autoridade imperial, não surpreende que um homem como Constantino buscasse, para melhor se legitimar, apoio dos cristãos, é assim, segundo Brown, que deve ser visto o edito de Milão, do qual o edito de Constantinopla seria apenas uma conseqüência.