Ana Maria Furona
Apareceu do nada . A impressão que se tinha era
de uma artista em decadência.
Cabelos escorridos , tingidos a cor única. Extravagante.
Manchados aqui e ali. Não eram luzes, reflexos ou alguma
outra arte mais sofisticada.
Sem chance de conjeturas. Manchado também eram os dentes, pelo cigarro.
Gesticulava em demasia ao conversar. E não se preocupava com más posturas . Falava meio alto e quando ria , pequenos salpicos de saliva se notava. Mas nada disso parecia preocupá-la. Participava de todas
as rodas sociais alcançáveis .Não ligava para olhares enviesados ou observações implicantes .
E, se para alguma festa não fosse convidada, dava um jeitinho de ser. Furona.
' Eu sou mais eu '. Sua frase predileta. E era.
Se conquistava simpatias pelas frases bem humoradas , também antipatias, pela postura mal ajeitada. Mas ... e daí?
E ia e vinha e se fazia aparecer. E como aparecia .
O tempo, este senhor que vem , às vezes , atropelando a vida , invertendo a ordem natural das coisas , levou Ana Maria mais cedo do que se esperava. Perda insubstituível.
Agora, as rodinhas sociais choram a sua falta.
Acabaram-se as franquezas ditas em meio a risadas ,
a olhares fuzilantes em sua direção...
a fala alegre e desbocada, a inteligência alfinetada
numa sinceridade chocante que irremediavelmente aprontava. Incômodos quase insustentáveis.
Foi-se Ana Maria sustentada pelo acaso.
A sociedade segue seu rumo na mesmice casual e cansativa ,
previsivelmente opaca em sua falsa moralidade arrepiante.
' - Que falta faz Ana Maria ! '
Que deve estar mandando ver com sua verborragia avassaladora,em enorme e aconchegante nuvem esfuziante.
E as estrelas contentes riem em mil brilhos
por mais uma presença de luz.
29-10-06