Eu namoro um estranho
As redes sociais aproximam pessoas, ampliam o leque de amizade e potencializam as chances de encontrar um amor de carne e osso ou apenas uma fantasia virtual.
Assim como a personagem Camila (Isis Valverde) se apaixonou por Ravi (Caio Blat), na novela Caminho das Índias, da rede Globo, muita gente de carne e osso conhece amigos, namorados e futuros maridos pela internet. Uma das ferramentas mais usadas é o MSN, através do qual as pessoas podem simplesmente teclar, trocar fotos e até mesmo conversar ao vivo usando câmeras de vídeo. Uma nova amizade pode surgir, um amor, quem sabe, ou até mesmo uma grande decepção. A fronteira entre alguém fake (falso) e um ser real é muito tênue e surpresas como bater papo com um homem e no encontro ao vivo a pessoa aparecer uma mulher é mais comum do que se imagina. Tem gente que até faz um perfil – página no Orkut ou outros sites – usando fotos de outra pessoa e começa a ‘existir’ para alguém. Enquanto isso não passar de uma brincadeira inocente, sem grandes consequências, tudo bem. O problema é quando pessoas mal intencionadas usam essas artimanhas para prejudicar terceiros.
Sabemos que se, por um lado, o processo de conhecimento no ambiente virtual pode parecer mais deslumbrante, principalmente para os mais tímidos e solitários, por outro, ele pode envolver artifícios que levam a uma ideia errada sobre as pessoas, sobretudo se consideramos que é muito mais fácil mentir e iludir quando se está à distância. Indivíduos sedutores, de caráter duvidoso, especialmente aqueles que sabem fazer bom uso da palavra, conhecedores das artimanhas de manipulação, podem facilmente atrair jovens inexperientes para armadilhas perigosas, embora das experiências aqui relatadas, algumas foram bem-sucedidas.
Não se pode negar que a internet faz parte do cotidiano e facilita contatos, através dos quais se proliferam amizades, negócios e afetividade. Quanto aos relacionamentos afetivos, a rede conecta pessoas mas não tem o condão de substituir o contato físico, as sensações de ver e tocar o outro, de sentir o timbre de voz etc.
Considerando os prós e contras do cenário intermediado, é possível afirmar que os relacionamentos estabelecidos neste meio podem envolver, de fato, muitos riscos aos internautas, principalmente entre jovens que ainda se encontrem em processo de transformação de valores, objetivos e comportamentos. Por falta de maturidade, estas pessoas podem ser facilmente influenciadas por elementos mal-intencionados e mais experientes, que poderão desvirtuar ou interferir negativamente em suas vidas. Sem falar que a comunicação mediada pode levar os jovens a uma vida menos “real” e mais superficial. O sociólogo Antonio Câmara afirma que essas ferramentas aumentam a sociabilidade, mas que, por outro lado, “podem ser acompanhadas da exacerbação do individualismo, e até mesmo retrocesso nos contatos entre as pessoas, substituindo os encontros ao vivo por reuniões virtuais”.
O contato cara a cara entre os participantes desses canais nem sempre ocorre e quando acontece, a impressão nem sempre é a mesma. Alguém que despertou a paixão via computador pode não inspirar algo mais profundo quando está ao vivo. Em cerca de 70% das entrevistas realizadas com vinte pessoas de 15 a 25 anos, frequentadores de lan-houses, se constatou que o “contato” pode durar de alguns minutos numa sala ou se prolongar indefinidamente via rede. Das pessoas ouvidas, 30% confessaram ter se encontrado com mais de um amigo, após “se conhecerem” na internet. Dos encontros, entretanto, apenas dois resultaram em amizade, sem rolar namoro. Dos vinte entrevistados, quatro declararam ter feito sexo sem camisinha no primeiro encontro, apesar de se considerarem pessoas tímidas e precavidas.
A psicóloga Eni Laborda, 56 anos, afirma que a busca por contato virtual é uma fuga. A principal causa é a timidez e a falta de diálogo com os pais. De acordo com ela, é necessária uma educação que esclareça aos jovens que o sexo é algo bom, faz parte da vida e precisa ser praticado com segurança e responsabilidade. Essas pessoas “perdem o contato com a realidade e ficam fantasiando”, afirma. O refúgio na internet também é causado pela violência urbana, segundo Laborda. “Tantas coisas acontecem nas ruas, assaltos, falta de segurança... Tem muita gente que tem medo de sair, enfrentar a vida”, diz a profissional. “Essas pessoas ficam atrás de uma tela de computador, onde é mais confortável, onde não correm risco de serem vistas”, conclui.
A liberdade que a tecnologia proporciona contrasta com a dependência: compra e venda, transações bancárias e conversas mediadas. Este é um novo padrão de convivência social, cujas mudanças influenciam, também, nas relações familiares, de acordo com o sociólogo Antonio Câmara. Para ele a internet não necessariamente provoca o isolamento, pois novas teias de amizade e contato são criadas.
Antonia Garcia discorda. Na opinião da socióloga, as conversas através da tecnologia não substituem a necessidade de interação pessoal, presencial. Garcia explica que o excesso de uso de ferramentas virtuais e o isolamento podem prejudicar as relações sociais. “O desafio de nossa geração é vencer o individualismo exacerbado, que pode provocar vazios psicológicos”, afirma.
Ainda segundo a socióloga Antonia Garcia, “é necessário observar melhor se de fato há uma troca, no sentido de substituição completa das formas de relacionamento no cotidiano ou se o mundo virtual, que é parte da realidade do mundo contemporâneo, compõe a vida das pessoas sem alterar as relações sociais”, contemporiza. Para ela, é necessário buscar e aprofundar os estudos, as análises sobre as mudanças provocadas pelas tecnologias nas práticas sociais, para afirmar se a mediação tecnológica é boa ou má.
Na opinião da psicóloga Eni Labora, a tecnologia pode levar as pessoas a pularem etapas, apressarem processos de conhecimento e precarizarem o amadurecimento emocional. “O diálogo com o adolescente tem que ser quase diário. Os pais precisam conversar sobre tudo, principalmente sobre afetividade, sexo etc”, ensina. Quando o jovem não tem esse diálogo dentro de casa, ele vai procurar se informar na rua, na internet. E esse pode não ser o melhor caminho.
Fernando B. Mendes, 24 anos, teve o primeiro contato sexual através de um site de relacionamento, aos 15 anos. O assunto sexo sempre foi tabu pra ele. Fernando relata que tudo o que aprendeu sobre sexualidade, amor, doenças e aids ele viu nos sites que acessava. A primeira experiência sexual foi com um homem de 40 anos, em 1999. “A gente se conheceu pela internet e trocávamos confidências, fotos, tudo. Eu contava intimidades e falava dos sonhos de viver a dois. Era tudo muito romântico”, lembra Fernando. O encontro foi na Ilha de São João, subúrbio de Simões Filho. “Ele era fisicamente muito diferente do que eu via pelas fotos. Era muito mais velho e tinha um cheiro estranho, um perfume adocicado que me enjoava”, confessa. “Nem conversamos. Nos abraçamos e fomos direto para a cama. Aquilo foi muito chocante para mim, pois eu esperava mais carinho, mais olho no olho”, desabafa, com o olhar perdido.
“Um choque emocional pode traumatizar uma pessoa por muito tempo”, segundo a psicóloga Laborda. A inexperiência e ansiedade levam os jovens a querer conquistar tudo de uma vez. Eles podem se envolver profundamente com quem acabou de conhecer. “É um perigo. Todo dia a gente vê notícias de crimes cometidos pela internet, pedofilia, assassinatos, roubos, sem falar no estrago psicológico”, diz Eni. Em muitos casos somente um trabalho sério, uma terapia demorada e cara pode amenizar ou curar o dano, segundo ela. Fernando não precisou de médico, entretanto.
A busca de Fernando não parou por aí. “Eu conheci Smith pela rede. Ele morava nos Estados Unidos e faria uma viagem para a Europa”, começa. O sonho de conhecer o Velho Mundo e a busca por um amor verdadeiro incentivaram Fernando a se encontrar com mais um pretendente, dois meses após o primeiro contato via internet. Ele viajou direto a Lisboa e encontrou o Smith lá. Apesar de Smith ser muito diferente ao vivo, Fernando ficou com o rapaz. Aproveitou para conhecer vários países europeus durante um mês. Nesse meio tempo descobriu o verdadeiro nome de Smith. Ele se chamava John. Fernando ficou decepcionado, discutiu com o namorado e tentou voltar ao Brasil, sendo impedido por John. “Preferi terminar tudo, pois eu fiquei assustado com o fato de ele ter mentido pra mim”. Mendes afirma que agora não dá mais mole. Antes de se encontrar com qualquer pessoa se cerca de todas as precauções que puder e nunca revela o endereço ou telefone de casa. Quem escapa de uma...
Mas nem todo mundo se dá mal na rede. Tâmara Oliveira, 25 anos de idade, encontrou o amor da vida dela através do My Space. No início Oliveira ficou receosa, mas, depois de saber que João era primo de um amigo dela, se tornou mais confiante e deixou o papo rolar. “Ele me adicionou no mês setembro de 2008, trocamos MSN e começamos a nos falar por dois meses e no terceiro mês marcamos um encontro”. Foi tudo meio “por acaso”. Eles se encontraram sem nenhuma intenção de ter um namoro sério, mas a coisa foi rolando e se transformou em um relacionamento afetivo duradouro. Os dois moram juntos faz um ano.
Tâmara teve sorte e se preveniu. Ao contrário de Valter Paixão, 24 anos, que se apaixonou por e pela tecnologia. Ele vive sozinho em Salvador há dez anos e namora virtualmente. O computador é tudo na vida dele. “Navego 24 horas por dia”, conta, para dar conta dos anúncios em sites de relacionamento, através dos quais consegue conhecer muitos “amigos” virtuais. Sua mais recente conquista foi um rapaz do Acre, que veio a Salvador somente para um encontro, após um namoro de dois meses pela web cam. Ao vivo, o namoro durou apenas uma semana.
Valter afirma ser tímido, mas na rede ele diz se transformar em outra pessoa. Paixão diz que já dormiu com pessoas que acabara de conhecer na rede. Concorda, entretanto, que a rapidez dos contatos propiciada pela tecnologia pode frustrar as expectativas e tornar as pessoas cada vez mais isoladas. “Eu me vejo nessa imagem. A maioria das vezes eu me sinto mais fechado em certas questões”, diz. Mas quando chega na internet Valter se solta, se sente mais livre. “A internet me tornou uma pessoa anti-social. Apesar de trabalhar na área de relações públicas, meus amigos são todos virtuais”. Ele se apóia no computador e até afirma que há o “carinho virtual”, traduzido pelas conversas e contatos com pessoas queridas. O computador, nesse caso, substitui a companhia de um ser humano.
Na atualidade dependemos da rede de computadores para auxiliar nas atividades mais corriqueiras, e também nos relacionamentos afetivos. Numa cidade como Salvador, por exemplo, faz-se reunião de trabalho ou jogos via rede. A tecnologia ampliou o leque de oportunidades das pessoas se relacionarem e apareceram problemas como os crimes cibernéticos contra o patrimônio, invasão de sites por hackers ou mesmo crimes sexuais.
Nem sempre há controle de idade, de conteúdo ou das conversas que rolam soltas nas salas de bate-papo, disponíveis a qualquer um que acesse um computador. Nesse aspecto, a socióloga Antônia Garcia acredita que a internet potencializa o acesso a assuntos diversos, inclusive ao conhecimento sobre sexualidade, que outras gerações só conseguiram através das relações interpessoais. Ela afirma que “Essa potencialização não necessariamente é negativa se produzir conhecimentos e relacionamentos positivos”.
PARA BOX (RESUMIDA)
Canais de comunicação/informação mais utilizados na Internet:
Correio eletrônico – a comunicação via email não é uma prática recente. Foi rapidamente adotada, eliminando boa parte das correspondências em papel distribuídas pelo correio convencional.
Blogs – os blogs são uma espécie de diário virtual, que permitem a seus autores expor assuntos e informações de toda ordem.
MSN, Skype, Yahoo Messenger, Google Talk e afins – comunicadores que permitem contato, em tempo real, inclusive com recurso de câmeras e voz.
Orkut, Facebook, MySpace e afins – Sites de relacionamento que rapidamente se transformaram em uma espécie de febre virtual. Nesses espaços, especialmente no Orkut, é possível criar rapidamente uma rede ampla de conhecimentos. As comunidades existentes se encarregam de multiplicar o número de pessoas adicionadas a um perfil, unindo os usuários em função de suas áreas de interesse (colégios, religiões, futebol, família, etc.).
Twitter – Uma espécie de micro-blog que funciona também como rede social, permitindo aos usuários que leiam atualizações pessoais de outros contatos em textos mínimos (de até 140 caracteres). Por ser um recurso compacto e simplificado, com acesso a informação rápida e instantânea, tem sido um dos veículos mais utilizados e popularizados ultimamente, multiplicando o número de usuários a cada dia.
Sites eróticos – disponibilizados maciçamente na Internet, os sites eróticos - alguns condicionados a assinaturas pagas, outros não – fomentam a libido dos internautas em busca de experiências sexuais, com publicação de imagens, vídeos e chats eróticos com homens e mulheres sensuais, que ali estão para ilustrar e explorar todos os mistérios do sexo. O número de acesso a esses sites é gigantesco.
Sites de namoros e relacionamentos – sites cuja finalidade é possibilitar o encontro de pessoas que estão em busca de uma “cara metade”, um parceiro ou mesmo de amizades. Pela descrição dos respectivos perfis, o usuário pode selecionar pessoas que se enquadram dentro de suas expectativas e contatá-las para tentar estabelecer com elas um relacionamento, que pode ou não ser bem-sucedido.
O ponto forte da utilização das ferramentas acima: alcance global (é possível fazer amigos pelo mundo inteiro).
Ponto fraco: superficialidade. Ter centenas de contatos na lista e não conhecer, de fato, a maioria.
Fotos: http://www.galinhapulando.com/album.php?ida=7405
As redes sociais aproximam pessoas, ampliam o leque de amizade e potencializam as chances de encontrar um amor de carne e osso ou apenas uma fantasia virtual.
Assim como a personagem Camila (Isis Valverde) se apaixonou por Ravi (Caio Blat), na novela Caminho das Índias, da rede Globo, muita gente de carne e osso conhece amigos, namorados e futuros maridos pela internet. Uma das ferramentas mais usadas é o MSN, através do qual as pessoas podem simplesmente teclar, trocar fotos e até mesmo conversar ao vivo usando câmeras de vídeo. Uma nova amizade pode surgir, um amor, quem sabe, ou até mesmo uma grande decepção. A fronteira entre alguém fake (falso) e um ser real é muito tênue e surpresas como bater papo com um homem e no encontro ao vivo a pessoa aparecer uma mulher é mais comum do que se imagina. Tem gente que até faz um perfil – página no Orkut ou outros sites – usando fotos de outra pessoa e começa a ‘existir’ para alguém. Enquanto isso não passar de uma brincadeira inocente, sem grandes consequências, tudo bem. O problema é quando pessoas mal intencionadas usam essas artimanhas para prejudicar terceiros.
Sabemos que se, por um lado, o processo de conhecimento no ambiente virtual pode parecer mais deslumbrante, principalmente para os mais tímidos e solitários, por outro, ele pode envolver artifícios que levam a uma ideia errada sobre as pessoas, sobretudo se consideramos que é muito mais fácil mentir e iludir quando se está à distância. Indivíduos sedutores, de caráter duvidoso, especialmente aqueles que sabem fazer bom uso da palavra, conhecedores das artimanhas de manipulação, podem facilmente atrair jovens inexperientes para armadilhas perigosas, embora das experiências aqui relatadas, algumas foram bem-sucedidas.
Não se pode negar que a internet faz parte do cotidiano e facilita contatos, através dos quais se proliferam amizades, negócios e afetividade. Quanto aos relacionamentos afetivos, a rede conecta pessoas mas não tem o condão de substituir o contato físico, as sensações de ver e tocar o outro, de sentir o timbre de voz etc.
Considerando os prós e contras do cenário intermediado, é possível afirmar que os relacionamentos estabelecidos neste meio podem envolver, de fato, muitos riscos aos internautas, principalmente entre jovens que ainda se encontrem em processo de transformação de valores, objetivos e comportamentos. Por falta de maturidade, estas pessoas podem ser facilmente influenciadas por elementos mal-intencionados e mais experientes, que poderão desvirtuar ou interferir negativamente em suas vidas. Sem falar que a comunicação mediada pode levar os jovens a uma vida menos “real” e mais superficial. O sociólogo Antonio Câmara afirma que essas ferramentas aumentam a sociabilidade, mas que, por outro lado, “podem ser acompanhadas da exacerbação do individualismo, e até mesmo retrocesso nos contatos entre as pessoas, substituindo os encontros ao vivo por reuniões virtuais”.
O contato cara a cara entre os participantes desses canais nem sempre ocorre e quando acontece, a impressão nem sempre é a mesma. Alguém que despertou a paixão via computador pode não inspirar algo mais profundo quando está ao vivo. Em cerca de 70% das entrevistas realizadas com vinte pessoas de 15 a 25 anos, frequentadores de lan-houses, se constatou que o “contato” pode durar de alguns minutos numa sala ou se prolongar indefinidamente via rede. Das pessoas ouvidas, 30% confessaram ter se encontrado com mais de um amigo, após “se conhecerem” na internet. Dos encontros, entretanto, apenas dois resultaram em amizade, sem rolar namoro. Dos vinte entrevistados, quatro declararam ter feito sexo sem camisinha no primeiro encontro, apesar de se considerarem pessoas tímidas e precavidas.
A psicóloga Eni Laborda, 56 anos, afirma que a busca por contato virtual é uma fuga. A principal causa é a timidez e a falta de diálogo com os pais. De acordo com ela, é necessária uma educação que esclareça aos jovens que o sexo é algo bom, faz parte da vida e precisa ser praticado com segurança e responsabilidade. Essas pessoas “perdem o contato com a realidade e ficam fantasiando”, afirma. O refúgio na internet também é causado pela violência urbana, segundo Laborda. “Tantas coisas acontecem nas ruas, assaltos, falta de segurança... Tem muita gente que tem medo de sair, enfrentar a vida”, diz a profissional. “Essas pessoas ficam atrás de uma tela de computador, onde é mais confortável, onde não correm risco de serem vistas”, conclui.
A liberdade que a tecnologia proporciona contrasta com a dependência: compra e venda, transações bancárias e conversas mediadas. Este é um novo padrão de convivência social, cujas mudanças influenciam, também, nas relações familiares, de acordo com o sociólogo Antonio Câmara. Para ele a internet não necessariamente provoca o isolamento, pois novas teias de amizade e contato são criadas.
Antonia Garcia discorda. Na opinião da socióloga, as conversas através da tecnologia não substituem a necessidade de interação pessoal, presencial. Garcia explica que o excesso de uso de ferramentas virtuais e o isolamento podem prejudicar as relações sociais. “O desafio de nossa geração é vencer o individualismo exacerbado, que pode provocar vazios psicológicos”, afirma.
Ainda segundo a socióloga Antonia Garcia, “é necessário observar melhor se de fato há uma troca, no sentido de substituição completa das formas de relacionamento no cotidiano ou se o mundo virtual, que é parte da realidade do mundo contemporâneo, compõe a vida das pessoas sem alterar as relações sociais”, contemporiza. Para ela, é necessário buscar e aprofundar os estudos, as análises sobre as mudanças provocadas pelas tecnologias nas práticas sociais, para afirmar se a mediação tecnológica é boa ou má.
Na opinião da psicóloga Eni Labora, a tecnologia pode levar as pessoas a pularem etapas, apressarem processos de conhecimento e precarizarem o amadurecimento emocional. “O diálogo com o adolescente tem que ser quase diário. Os pais precisam conversar sobre tudo, principalmente sobre afetividade, sexo etc”, ensina. Quando o jovem não tem esse diálogo dentro de casa, ele vai procurar se informar na rua, na internet. E esse pode não ser o melhor caminho.
Fernando B. Mendes, 24 anos, teve o primeiro contato sexual através de um site de relacionamento, aos 15 anos. O assunto sexo sempre foi tabu pra ele. Fernando relata que tudo o que aprendeu sobre sexualidade, amor, doenças e aids ele viu nos sites que acessava. A primeira experiência sexual foi com um homem de 40 anos, em 1999. “A gente se conheceu pela internet e trocávamos confidências, fotos, tudo. Eu contava intimidades e falava dos sonhos de viver a dois. Era tudo muito romântico”, lembra Fernando. O encontro foi na Ilha de São João, subúrbio de Simões Filho. “Ele era fisicamente muito diferente do que eu via pelas fotos. Era muito mais velho e tinha um cheiro estranho, um perfume adocicado que me enjoava”, confessa. “Nem conversamos. Nos abraçamos e fomos direto para a cama. Aquilo foi muito chocante para mim, pois eu esperava mais carinho, mais olho no olho”, desabafa, com o olhar perdido.
“Um choque emocional pode traumatizar uma pessoa por muito tempo”, segundo a psicóloga Laborda. A inexperiência e ansiedade levam os jovens a querer conquistar tudo de uma vez. Eles podem se envolver profundamente com quem acabou de conhecer. “É um perigo. Todo dia a gente vê notícias de crimes cometidos pela internet, pedofilia, assassinatos, roubos, sem falar no estrago psicológico”, diz Eni. Em muitos casos somente um trabalho sério, uma terapia demorada e cara pode amenizar ou curar o dano, segundo ela. Fernando não precisou de médico, entretanto.
A busca de Fernando não parou por aí. “Eu conheci Smith pela rede. Ele morava nos Estados Unidos e faria uma viagem para a Europa”, começa. O sonho de conhecer o Velho Mundo e a busca por um amor verdadeiro incentivaram Fernando a se encontrar com mais um pretendente, dois meses após o primeiro contato via internet. Ele viajou direto a Lisboa e encontrou o Smith lá. Apesar de Smith ser muito diferente ao vivo, Fernando ficou com o rapaz. Aproveitou para conhecer vários países europeus durante um mês. Nesse meio tempo descobriu o verdadeiro nome de Smith. Ele se chamava John. Fernando ficou decepcionado, discutiu com o namorado e tentou voltar ao Brasil, sendo impedido por John. “Preferi terminar tudo, pois eu fiquei assustado com o fato de ele ter mentido pra mim”. Mendes afirma que agora não dá mais mole. Antes de se encontrar com qualquer pessoa se cerca de todas as precauções que puder e nunca revela o endereço ou telefone de casa. Quem escapa de uma...
Mas nem todo mundo se dá mal na rede. Tâmara Oliveira, 25 anos de idade, encontrou o amor da vida dela através do My Space. No início Oliveira ficou receosa, mas, depois de saber que João era primo de um amigo dela, se tornou mais confiante e deixou o papo rolar. “Ele me adicionou no mês setembro de 2008, trocamos MSN e começamos a nos falar por dois meses e no terceiro mês marcamos um encontro”. Foi tudo meio “por acaso”. Eles se encontraram sem nenhuma intenção de ter um namoro sério, mas a coisa foi rolando e se transformou em um relacionamento afetivo duradouro. Os dois moram juntos faz um ano.
Tâmara teve sorte e se preveniu. Ao contrário de Valter Paixão, 24 anos, que se apaixonou por e pela tecnologia. Ele vive sozinho em Salvador há dez anos e namora virtualmente. O computador é tudo na vida dele. “Navego 24 horas por dia”, conta, para dar conta dos anúncios em sites de relacionamento, através dos quais consegue conhecer muitos “amigos” virtuais. Sua mais recente conquista foi um rapaz do Acre, que veio a Salvador somente para um encontro, após um namoro de dois meses pela web cam. Ao vivo, o namoro durou apenas uma semana.
Valter afirma ser tímido, mas na rede ele diz se transformar em outra pessoa. Paixão diz que já dormiu com pessoas que acabara de conhecer na rede. Concorda, entretanto, que a rapidez dos contatos propiciada pela tecnologia pode frustrar as expectativas e tornar as pessoas cada vez mais isoladas. “Eu me vejo nessa imagem. A maioria das vezes eu me sinto mais fechado em certas questões”, diz. Mas quando chega na internet Valter se solta, se sente mais livre. “A internet me tornou uma pessoa anti-social. Apesar de trabalhar na área de relações públicas, meus amigos são todos virtuais”. Ele se apóia no computador e até afirma que há o “carinho virtual”, traduzido pelas conversas e contatos com pessoas queridas. O computador, nesse caso, substitui a companhia de um ser humano.
Na atualidade dependemos da rede de computadores para auxiliar nas atividades mais corriqueiras, e também nos relacionamentos afetivos. Numa cidade como Salvador, por exemplo, faz-se reunião de trabalho ou jogos via rede. A tecnologia ampliou o leque de oportunidades das pessoas se relacionarem e apareceram problemas como os crimes cibernéticos contra o patrimônio, invasão de sites por hackers ou mesmo crimes sexuais.
Nem sempre há controle de idade, de conteúdo ou das conversas que rolam soltas nas salas de bate-papo, disponíveis a qualquer um que acesse um computador. Nesse aspecto, a socióloga Antônia Garcia acredita que a internet potencializa o acesso a assuntos diversos, inclusive ao conhecimento sobre sexualidade, que outras gerações só conseguiram através das relações interpessoais. Ela afirma que “Essa potencialização não necessariamente é negativa se produzir conhecimentos e relacionamentos positivos”.
PARA BOX (RESUMIDA)
Canais de comunicação/informação mais utilizados na Internet:
Correio eletrônico – a comunicação via email não é uma prática recente. Foi rapidamente adotada, eliminando boa parte das correspondências em papel distribuídas pelo correio convencional.
Blogs – os blogs são uma espécie de diário virtual, que permitem a seus autores expor assuntos e informações de toda ordem.
MSN, Skype, Yahoo Messenger, Google Talk e afins – comunicadores que permitem contato, em tempo real, inclusive com recurso de câmeras e voz.
Orkut, Facebook, MySpace e afins – Sites de relacionamento que rapidamente se transformaram em uma espécie de febre virtual. Nesses espaços, especialmente no Orkut, é possível criar rapidamente uma rede ampla de conhecimentos. As comunidades existentes se encarregam de multiplicar o número de pessoas adicionadas a um perfil, unindo os usuários em função de suas áreas de interesse (colégios, religiões, futebol, família, etc.).
Twitter – Uma espécie de micro-blog que funciona também como rede social, permitindo aos usuários que leiam atualizações pessoais de outros contatos em textos mínimos (de até 140 caracteres). Por ser um recurso compacto e simplificado, com acesso a informação rápida e instantânea, tem sido um dos veículos mais utilizados e popularizados ultimamente, multiplicando o número de usuários a cada dia.
Sites eróticos – disponibilizados maciçamente na Internet, os sites eróticos - alguns condicionados a assinaturas pagas, outros não – fomentam a libido dos internautas em busca de experiências sexuais, com publicação de imagens, vídeos e chats eróticos com homens e mulheres sensuais, que ali estão para ilustrar e explorar todos os mistérios do sexo. O número de acesso a esses sites é gigantesco.
Sites de namoros e relacionamentos – sites cuja finalidade é possibilitar o encontro de pessoas que estão em busca de uma “cara metade”, um parceiro ou mesmo de amizades. Pela descrição dos respectivos perfis, o usuário pode selecionar pessoas que se enquadram dentro de suas expectativas e contatá-las para tentar estabelecer com elas um relacionamento, que pode ou não ser bem-sucedido.
O ponto forte da utilização das ferramentas acima: alcance global (é possível fazer amigos pelo mundo inteiro).
Ponto fraco: superficialidade. Ter centenas de contatos na lista e não conhecer, de fato, a maioria.
Fotos: http://www.galinhapulando.com/album.php?ida=7405