A Jaqueta Mágica
"Voltava do trabalho para o pequeno apartamento em que agora morava, comia alguma coisa e em seguida tinha de sair: não suportava a solidão.
Ficava horas vagando pela rua, mesmo sabendo do perigo que isso representava, e talvez por causa do perigo que isso representava: pouco lhe importava o risco de assalto, pelo menos representaria algo novo em sua vida monótona.
E aí veio o inverno, e as noites geladas, mas mesmo assim saía para suas caminhadas. Numa noite, a temperatura caiu demais e ela, mal abrigada, começou a tremer de frio."
Não sabia se aquecia o peito, que doía a cada suspiro mais profundo de lamentação ou se aquecia as mãos já quase mortas de tanta dormência.
Na súbita distração que esse momento de indecisão causou, percebeu que estava em uma rua larga, diferente das que costumava observar em suas freqüentes caminhadas. O frio a incomodava, porém, por dentro, estava excitada.
Enquanto caminhava, agora mais rapidamente, lamentava não ter trazido mais um agasalho. Duas quadras a frente, localizou uma transversal conhecida, tranqüilizou-se, reduziu os passos e atravessou a deserta e escura avenida.
O silêncio causado pelo frio foi interrompido bruscamente pelo barulho das latas de lixo na calçada. Em meio ao lixo, algo se mexia por vontade própria. Sentindo dó, pegou-o no colo e percebeu como era pequeno e peludo. Estava sujo e tremendo, mas não parecia se importar com o toque das frias e desconhecidas mãos.
Após acomodá-lo, recuperou rapidamente o caminho ara o pequeno apartamento. Não estava mais sozinha e tinha um motivo para temer uma abordagem. Queria confortá-lo, pois sabia exatamente como ele se sentia: pois ela não suportava a solidão.
A parte entre aspas pertence a Moacir Sciliar - retirado da crônica 'A jaqueta mágica'