Antes de apagar a luz!
Vida boa era quando eu corria na rua de barro, jogava bola na rua com gol de chinelos ou de lata de azeite. Vida boa era comer polenta com leite. Quem, hoje em dia, come polenta com leite? Sortudos! Bom era quando o Mertiolate ardia. As brincadeiras tinham muito mais emoções e os curativos faziam você pensar dez vezes antes de cometer o mesmos erros e se ralar todo. Eu lembro que não me preocupava com regras, exceto aquelas que me faziam lembrar a cinta. Ah essas eu nunca esquecia.
A minha bicicleta tinha o pneu careca, escorregava quase sempre e eu adorava aquela emoção. Eita vida boa que eu tinha! Quando íamos à praia a mãe sempre mandava passar protetor solar, mas que graça teria o verão se eu não ficasse torradinho me obrigando a dormir de um lado só, para não doer ainda mais. Hoje as coisas são diferentes e meus pais dizem que eram ainda mais no tempo deles. Eu até cogitei acreditar que hoje os dias são melhores, mas são poucos aqueles que podem andar descalço no barro vermelho e sentir o cheiro da terra viva, das folhas, das borboletas... Aonde foram parar as borboletas?
Eu só sei que peguei rabeira em carroça, andei a cavalo sem sela, bebi água da torneira, tive muitas cáries nos dentes de leite, tive muitos cachorros, adorava soltar os passarinhos que roubava das casas dos outros. Meu vizinho ainda reclama do curió que eu soltei! É que lugar de pássaro é no ar, na gaiola nem papagaio sem asa! Eu gosto de saber que tive uma vida simples, que convivi com pessoas que acreditam em simpatia pra curar verrugas e ai daquele que apontar o dedo para o céu. Eu fui a criança que se preparou para vencer na vida sem esquecer-se de quem eu sou e de onde eu vim. Foi assim que eu entendi o verdadeiro poder das conseqüências e o verdadeiro valor de viver. Até no momento que o sol se punha a mãe chamava para jantar e eu brigava contra o sono para saber o que acontecia enquanto os outros dormiam. Eu aprendi quase tudo sobre o que acontecia antes de apagar a luz.