Ética Epicurista

A Grécia não passa por momentos de tranqüilidade. Frequentes dominações do território por parte de outros povos implicam em grandes transformações, tanto culturais quanto às concernentes à forma de governo. Por mais que a democracia tenha se desenvolvido nas cidades estado, predominava a exclusão, visto que a liberdade assegurada pela democracia era privilégio de uns poucos cidadãos, homens adultos, livres, que fossem nascidos na polis. Desse modo, a maior porcentagem da população se encontrava em situação de impedimento em relação à participação nas discussões e decisões da Assembléia.

A partir do século VI a.C, o homem grego se encontra em uma situação de decaimento. Contaminado pelas crendices, não mais tem um ideal de vida harmoniosa, em ressonância com o universo.

“A infelicidade se estabelece entre os gregos, a desordem e a angústia aumentam todos os dias[...] sangue, incêndios, assassínios, pilhagens:mundo de Epicuro”. Em meio a essa turbulência, Epicuro desenvolve e difunde seu pensamento, sua filosofia “centrada no Prazer, na serenidade e na alegria”.

“O homem é feito para ser feliz, carrega essa felicidade nele próprio e a filosofia não é preparação para a morte, mas procura da alegria”. Por mais que haja um turbilhão de acontecimentos em torno do homem, e que a idéia de progresso cause no homem uma angústia, uma inquietação, Epicuro diz que se pode ser feliz, primeiramente porque a felicidade é algo estritamente subjetivo, que se dá no mundo interior, nunca no plano político e social, devido à existência de regras impostas. Tal felicidade é alcançada quando se dá a libertação da alma com relação às crendices e ilusões do mundo.”Alcançar o bem é empreendimento exclusivamente ético, não político”. Assim, o recolhimento ao jardim é indispensável, pois lá as pessoas se encontravam longe dos tormentos da polis. A sociedade não condizia com a vida natural do homem, ou seja, nada tinha a ver com a natureza humana, que tende ao “prazer e a alegria”.

Assim, para Epicuro a filosofia tem uma finalidade prática, servindo como instrumento na busca pela felicidade, felicidade esta desprovida de qualquer tipo de ambição ou ansiedade, caracterizada pela imperturbabilidade, e distante da vida política. “Vive escondido”, é o preceito de Epicuro, pois “a ambição política só pode ser fonte de perturbação e, portanto, obstáculo para alcançar a ataraxia”, ou seja, a ausência de desejos que possam tirar a tranqüilidade.

Epicuro une as dimensões ética e estética na sua proposta. Para ele, a cura do rebanho humano que se contaminou pela imitação, está no caminho de libertação por meio da busca da felicidade. O conhecimento da natureza é indispensável, posto que sem ele o temor em relação à natureza domina o homem. Para esse processo de cura, Epicuro reúne seus discípulos no jardim, lugar onde estreitam-se os laços entre eles, lugar onde as preocupações da polis não mais os afligem, deixando-os perturbados. A simplicidade é valorizada, visto que a serena felicidade requer a satisfação dos desejos naturais, e não daqueles impostos pelo progresso. È um ascetismo que visa a moderação da vida afetiva, e leva a uma estética da existência, a uma vida bela. A valorização da amizade em sua doutrina desponta como convicção a respeito de construir a solidariedade entre os homens, assim definida: “É não só mais belo, mas também mais agradável fazer o bem do que recebê-lo”. O ascetismo garante a estética de uma vida bela, simples, serena, harmoniosa e feliz, garantindo tranquilidade na adversidade.

Para Epicuro, os homens renderam-se às falsas crenças a respeito do mundo. O que motiva a ação curativa do filósofo, que aqui assume o papel de médico, é o sentimento de philia, um amor à humanidade. Assim não há distinções, todos têm direito à cura, e tal cura se dá através do logos, que em seu pensamento assume esse caráter curativo (phármakon), aparecendo sob a forma de um tetraphármakon.

Não há o que temer quanto aos deuses

Não há nada a temer quanto à morte

Pode-se alcançar a felicidade

Pode-se suportar a dor

Posteriormente, não só os vínculos intelectuais entre mestre e discípulos serão ressaltados, mas também os vínculos afetivos. O discípulo imita o mestre. Conseqüência e causa desse vínculo é a criação do jardim (kepos) que servia como um refúgio onde seus discípulos se encontravam, afastados das preocupações para que sua doutrina pudesse ser desenvolvida.

A memória tem grande valor no epicurismo, pois através dela se mantém a sabedoria conquistada. O conhecimento, visando uma vida serenamente feliz, deve distinguir o verdadeiro do falso. Nesse sentido, a prolépsis (antecipação ou prenoção) é necessária, visto que, através dela, abstrai-se um objeto, levando-nos a um nível mais inteligível, induzindo à verdades que não são acessíveis aos sentidos. Com a prolépsis, memória e tempo adquirem fundamental importância no conhecimento. .

Epicuro partilha com Leucipo e Demócrito uma visão atomista da natureza, resguardando, porém, divergências. Para Epicuro, “nada provém do nada”, afirmando a eternidade da matéria, esta formada por inúmeros átomos, movimentando-se num vazio infinito, variando de tamanho.

Diferentemente de Demócrito, Epicuro afirma que esses átomos tem um peso, e isso lhes garante uma singularidade. Os átomos também movimentam-se, devido ao seu peso, retilineamente, num movimento de cima para baixo. Aqui se dá o problema: se os átomos não colidirem entre si, nada é criado, e se eles, segundo essa concepção, movem-se numa mesma direção, não iriam colidir. Admite-se então o clímanen, como possibilidade de surgimento das coisas. O clímanem consiste num pequeno desvio desses átomos, o que ocasiona a colisão entre os mesmos. Porém, o porque de tal desvio é incerto. O desvio tem a ver com a capacidade do homem de reorientar sua interioridade e sua liberdade numa física determinista.

O prazer, “princípio e fim da vida feliz”. O hedonismo epicurista consiste na eliminação das necessidades, no controle dos instintos. É realmente feliz quem chega à ataraxia, ou seja, a um estado em que nada o perturbe, a uma total administração dos desejos, que deve ser feita através da phrónesis (prudência), deixando os impulsos instintivos, num discernimento do que é ou não necessário.