DIÁRIO DE UM ANJO QUE NÃO NASCEU

Aqui no céu eu sou mais um entre muitos anjos que esperam ansiosamente sua vez para descer até a terra em forma de filho de alguém que compartilhe um sentimento que venha a dar para nós anjos, a chance de ter uma vida carnal.

Mas nem sempre isso é do jeito que imaginamos.

Vou contar a minha história que não foi muito boa quando comparada com a de meus amigos.

Um dia fui escolhido para descer até a terra e me abrigar no ventre de uma menina de dezoito anos, que pensava ela ser amada pelo seu namorado. Até o presente momento ninguém sabia da minha existência, mas isso não me importava, pois estava muito felíz por ter tido a chance de descer e nascer, tendo assim também uma família como a de meus outros amigos.

Começo o meu desenvolvimento e com isso forço algumas mudanças no metabolismo de minha mãe, mas tudo bem, escuto minha futura vovó falar que deve ser algo que ela comeu. Passam-se um 2 meses e minha mãe desconfia de algo.

Chama meu pai e diz que a menstruação não veio... o que é isso pergunto eu...

Ele fala para ela comprar um tal de teste de gravidez, que bobo né? Para quê teste se eu estou aqui?

Mas minha mãe faz o que ele disse e compra o tal teste.

No outro dia ela faz o teste e como haveria de ser ele dera positivo. Vejo que ela ficava dizendo pra si mesma dentro do banheiro que aquilo não era possível, que não podia estar acontecendo.

Na verdade fiquei sem entender nada, pensei que ela iria ficar felíz igual às mães de meus amigos, deve estar nervosa e eu entendo, afinal serei o primeiro filho dela né?

Ela sai correndo e chorando em direção a casa de meu pai, acho que ela chorava de felicidade.

Quando ela chega lá e diz para ele o resultado do teste, ele fica bravo e começa a xingá-la de nomes que desconheço.

Percebi que minha vinda para a terra estava causando divergências entre eles.

Depois de se acalmarem ouvi ele dizer que aquilo não poderia vir ao conhecimento de ninguém, e que ela teria que tirar o mais rápido possível.

Tirar o que? Eu me perguntei sem endender nada.

No outro dia eles foram numa tal de Dna Clotilde, e ela disse que fazia o serviço. E deu para minha mãe uma garrafa com um líquido escuro dentro, dizendo para tomar um copo por dia durante sete dias.

Sei lá o que era, só estava preocupado com a reação dos dois quando souberam de minha existência, pensei que iriam ficar felizes mas até então não ficaram.

Minha mãe chega em casa e coloca no copo o tal líquido, toma de uma só vez fazendo cara de quem tivesse chupado limão vinagre. Quando aquilo entra nela, imediatamente me causa tonturas e tremores, que coisa é essa? eu pergunto. Começo a ficar inquieto e tremendo, está me dando dores.

Mais um dia se passa e chega a hora do tal remédio novamente, ela toma e desta vez ele veio pior que ontem, ta doendo muito, porque ela toma esta coisa? Ta me machucando. Meu pai chega perto dela e mesmo sem saber que eu estava ouvindo explica tudo.

Ouvi ele dizer que a Dna. Clotilde garantiu que o neném nunca nasceria, e que no máximo em quatro dias eu estaria fora.

Meu Deus, eles estão querendo me matar, mas o que eu fiz para me tratarem assim?

Só queria ter uma família, ter alguém para chamar de pai e mãe, e olha só isso.

Meu Deus, hoje é o segundo dia, o que eu faço?

O terceiro dia chega, e minha mãe escondida pega a garrafa e começa abrir, eu percebo e juntando o pouco de força que me resta, começo a me mexer em seu ventre, como se dissesse para ela não me ferir de novo. Mas acho que ela entendeu errado, e baixinho escuto ela dizer que eu iria me mexer por pouco tempo.

Começo a chorar e a tremer de novo, ela vira de uma só vez o copo com aquele veneno, ele desce e me queima, me provoca dores incontroláveis, eu choro e choro.

Não tenho muitas forças para me mexer, meu pai chega e pergunta de mim, ela disse que eu to sossegando, e os dois riem baixinho dizendo que tudo dará certo.

Não acredito no que escuto, estão querendo me matar mesmo antes de ter nascido.

Mas não vou morrer, quero ficar com minha mãe e meu pai, quando nascer eu vou brincar com meu amigo que está no ventre da vizinha, amiga de minha mãe.

Estou com sono, estranho isso, nunca fiquei assim durante o dia, ainda sinto dores, mas eu acho que vai passar.

Quarto dia, minha mãe levanta-se e vai até o canto de seu quartom atrás do guarda roupas onde está a garrafa do apocalipse. Meu Deus não deixe que ela tome isso de novo, vai me machucar novamente. Ela fica olhando como se tivesse indecisa, mas coloca o veneno no copo e toma tudo mais uma vez.

Desta vez eu não sabia se o veneno estava mais forte ou eu que estava mais fraco. Fico paralisado por completo, minha respiração não é a mesma, meu corpinho ainda em formação queima como brasa.

Como se desse um último adeus, eu tremo fortemente o ventre de minha mãe, e assim o veneno cumpre seu papel, termina com o início de minha vida.

No céu eu me encontro novamente, meus amigos querubins vem ao meu encontro e tentam me confortar.

Mas nada é capaz de amenizar isto, olho para a terra e vejo meu ex-pai e ex-mãe felizes pela vitória alcançada, mas eu não estou triste por ter perdido esta batalha, mas estou triste por ter sido vítima da perda de sentimentos, do respeito pela vida mesmo que seja ela tão pequenina quanto a vida que eu tinha.

Hoje nasceu o meu amigo, aquele que estava no ventre da amiga de minha ex-mãe, ela foi lá ver.

Percebi que ao vê-lo, ela deixou inevitavelmente deslizar algumas lágrimas em sua face.

Foi até o canto do quarto do hospital , e liberou o deslize de muitas outras que estavam acumuladas.

Ao perguntarem o porque de tanto pranto, minha ex-mãe disse que nunca mais poderia ter filhos, pois o aborto que fizera prejudicou irreversivelmente seu útero, deixando-a infértil para sempre.

Aquilo me assustou profundamente e quase encontrei-me em desespero, pois por culpa minha ela tomou o veneno. Mas eu queria ser filho dela, enquanto pensava nisso tudo, senti em meu ombro o toque suave de uma mão quente e acolhedora.

Era Deus, ele me disse que eu não tinha culpa alguma sobre tudo isso.

Disse que deu à mulher o sublime e o honroso dom de gerar uma vida, simplesmente para que assim pudesse preservar e garantir a existência humana.

Mas ela se negou a honrar este dom que a ela foi oferecido. Então nada melhor que tirar dela e dar para alguém que realmente queira e mereça.

Não entendi o que ele quis me dizer com dar para quem realmente queira, ele virou-se e foi embora sem dar mais explicações.

Inacreditavelmente me chamaram de novo para descer à terra com a mesma missão. Desta vez eu fora escolhido para trazer alegria para um casal que não podia ter filhos, pois a minha futura mãe tinha complicações no útero, e o médico disse que embora tivessem feito todos os tratamentos possíveis, nada mais poderia ser feito para reverter aquele caso.

Desse dia em diante minha futura mãe orou mais e mais, dia e noite para Deus, pedindo apenas que ele lhe desse um único filho pelo menos, e Deus com sua infinita bondade ouviu suas preces e atendeu seu pedido.

Desta vez eu terei minha família tão sonhada. Obrigado meu Deus!!!