DEU NA IMPRENSA... [3]
(Texto na íntegra do jornal FOLHA DE PERNAMBUCO, cuja reportagem, “A língua ‘do povo’ em verbetes: ‘Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa’ compila até gírias e expressões sexuais”, vem assinada pelo jornalista Thiago Soares)
"A LÍNGUA 'DO POVO' EM VERBETES
“Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa” compila até gírias e expressões sexuais
Por Thiago Soares - Editor de Suplementos
Língua viva é a das ruas, a dos falantes que não se preocupam com a norma culta, com o bem-falar. Essa é a língua solta, sem amarras de regras, de gramáticas - a lín¬gua que “roça” aquela de Luís de Camões, como diz Caetano Veloso na sua canção “Língua”. Pois apesar de toda a sua “vi¬da” livre, leve e sol¬ta, não são poucas as tentativas de nor¬matizar a língua “do povo” em livros e dicionários. A mais nova delas se chama “Dicioná¬rio de Expressões Populares da Língua Portuguesa”, de João Go¬mes da Silveira, que acaba de chegar às livrarias.
O livro resulta, co¬mo o próprio au¬tor se refere, de uma “hiperoficina de gírias e outros mo¬dismos luso-bra¬sileiros”. Estão presentes gírias, lugares comuns, calões e quaisquer fa¬tos linguísticos que estão circunscritos à lógica do falar. Em suas 980 páginas (!), desfilam inúmeras expressões que passeiam pelo imaginário da língua portuguesa comum. Há, por exemplo, a expressão “fazer uma totinha” que, sabemos, significa “fa¬zer sexo, copular”. Mas, aí, descobrimos que “totinha” vem da abreviação do termo “pitota” ou “pitoca” - o diminutivo abreviado para dizer o pê¬nis do menino.
Há outros momen¬tos em que ve¬mos as expressões populares em contex¬tos literários, com indicativos de obras seminais da literatura brasileira. Por exemplo, ao explicar de onde vem o termo tão co¬mum “meter a mão no fogo por”, João Gomes da Silveira nos presenteia com dois e¬xem¬plos interessantes: um, vindo de “Luzia-Ho¬mem”, de Domingos Olímpio e ou¬tro, retirado de “Cae¬tés”, de Graci¬liano Ramos. Aliás, as referências literárias são mais que presentes na compilação de João Go¬mes da Silveira.
Fiquei procurando várias referências literárias em ex¬pressões que já conhecia. E terminei sabendo que “a¬brir o coração”, es¬se termo tão ba¬nal e, ao mesmo tem¬po, poético, apa¬rece em “O Mu¬lo”, de Darcy Ribei¬ro. Olha só: “O úni¬co disponível, o pa¬dre Severo, é muito conhecido meu pa¬ra com ele abrir meu coração”. Sain¬do do terreno sentimental, chegamos ao político. E identificamos, por exemplo, as matrizes históricas da expressão “puxar pela língua”, que significa “fazer (em geral por meios hábeis ou auspiciosos) com que alguém fale, se expanda, se manifeste”. O termo tem raízes no período inquisitor, tendo sido “reanimado” na época da ditadura militar. É com um exemplo tirado de “Farda Fardão Ca¬misola de Dormir”, de Jorge A¬ma¬do, que o autor contextualiza o uso: “Alguns acadêmicos lhe davam cor¬da, puxavam por sua língua falastrona”.
Obviamente que um dicionário co¬mo este não é catalogado por palavras. O que conta aqui é a frase, a expressão e a situação linguística em que aquele conjunto de palavras foi apresentado. É justamente por isso que o “Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa” é tão interessante. Porque é, de fato, uma obra de consulta, mas, sobretudo, uma espécie de “viagem” para o contexto em que as expressões são pronunciadas. Por isso, é possível encontrar, em cada um dos verbetes que são geograficamente circunscritos, a referência à região do País em que é apresentado. “Mas, atenção! Isso é feito somente com base em pistas ou dados inequívocos”, atesta João Gomes da Silveira.
Há muitas informações em cada um dos verbetes, é verdade. “Por vezes, alguns desses verbetes poderão ir à quase exaustiva apresentação das várias versões, o que os torna ainda mais enriquecidos no terreno semântico”, explica o au¬tor. As “operações” que são propostas no dicionário - na ver¬dade, Silveira até chega a chamá-lo de “expressioná¬rio” - são as de a¬pre¬sentar as expres¬sões verbais de conteúdo idiomático, em seguida decodificá-las semanticamente associando-as à linguagem coloquial e circunscrevê-las nacional ou regionalmente."
[Fonte online: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-programa/600889-a-lingua-do-povo-em-verbetes ]
Fort., 02/11/2010.