As Cotas Raciais

O Congresso Nacional ao aprovar a introdução de cotas raciais nas universidades sem um debate mais amplo com a sociedade, fomentou uma polêmica de proporções inenarráveis no contexto social brasileiro. Criou-se um Brasil de brancos e não brancos, ou de negros e não negros. Essas iniciativas procuram transformar a diversidade etnicossocial da população brasileira em grupos raciais estanques.

Um país onde a ministra da Secretaria Especial de Promoção e Igualdade Racial, afirma que não é racismo um negro se insurgir contra o branco, já que foi humilhado e maltratado por ele durante séculos, confirma o despreparo político e acentua perigosamente o aumento de novas regras discriminatórias, sem que o problema principal tenha sido sanado.

O argumento é conhecido: temos um passado de escravidão que levou a população de origem africana a níveis de renda e condições de vida precárias. O preconceito e a discriminação contribuem para que a situação pouco se altere. Há a necessidade de políticas sociais que compensem os prejudicados no passado, ou que herdaram situações desvantajosas. Essas políticas, ainda que reconhecidamente imperfeitas, se justificariam porque viriam corrigir um mal maior. Além disso, teriam caráter temporário. No momento atual, no qual mais do que nunca é necessário que se ampliem os debates com a sociedade civil, inclusive com vistas a que o Congresso aperfeiçoe os projetos sob análise, quem discorda desse modelo de políticas sociais, em particular das cotas, vem sendo tachado até mesmo de racista.

A estratégia das cotas é solução equivocada para um problema mal definido. Análises estatísticas mostram correlações importantes entre cor e uma série de desvantagens econômicas e sociais, que persistem mesmo quando outras variáveis são controladas.

Assim, "brancos", "pardos" e "pretos", ainda que de mesmo nível educacional, têm rendimentos diferentes. Contudo, essas associações precisam ser vistas com cautela, pois não contam toda a história. Mesmo com o mesmo número de anos de estudo, por exemplo, indivíduos negros e pardos podem ter se formado em cursos de menor prestígio e valorização no mercado de trabalho. De fato, parte das diferenças pode também derivar da exposição à discriminação, ainda que faltem estudos detalhados sobre como os mecanismos discriminatórios operam e produzem as desigualdades observadas. Contudo, o que está ampla e detalhadamente comprovado é que a educação das pessoas é o que mais explica as diferenças de renda e oportunidades de vida.

A maneira mais efetiva de reduzir as desigualdades sociais é pela generalização da educação básica de qualidade e pela abertura de bons postos de trabalho. Cotas raciais, mesmo se eficazmente implementadas, promoverão somente a ascensão social de um reduzido número de pessoas, não alterando os fatores mais profundos que determinam as iniquidades sociais. São reconhecidamente sérios os problemas envolvidos na implementação de cotas. Transformam classificações estatísticas gerais (como as do IBGE) em identidades com direitos específicos. Já se vê no país a ocorrência de experiências polêmicas de implementação de cotas que desrespeitam o direito das pessoas à autoclassificação. A adoção de identidades raciais não deve ser imposta e regulada pelo Estado. Políticas dirigidas a grupos "raciais" estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo produzir efeito contrário, ou seja, o acirramento do conflito e da intolerância, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos.

O Brasil que queremos é um país no qual as escolas eduquem as crianças pobres, independentemente da cor ou raça, dando-lhes oportunidade de ascensão social e econômica; no qual as universidades se preocupem em usar bem os recursos e formar bem os alunos. No caso do ensino superior, o melhor caminho é aumentar o número de vagas nas instituições públicas, ampliar os cursos noturnos, difundir os cursos de pré-vestibular para alunos carentes, implantar campus em áreas mais pobres, entre outras medidas. Devemos almejar um Brasil no qual ninguém seja discriminado, de forma positiva ou negativa, pela cor ou raça: que se valorize a diversidade como um processo vivaz que deve permanecer livre de normas impostas pelo Estado a indivíduos que não necessariamente querem se definir segundo critérios raciais.

ACADÊMICO
Enviado por ACADÊMICO em 28/10/2010
Reeditado em 22/01/2019
Código do texto: T2582792
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