MONÓLOGO TRISTE

Poucos dias se passaram e eu assistia deslumbrada ao espetáculo amarelo dos ipês, resistindo no cerrado, nas matas, nas estradas por onde passei, num agosto ressequido, poeirento. Olhei para as montanhas ao fundo, esmaeceu-se o verde e deu lugar aos galhos, folhas e gravetos secos, prontos para se tornarem fumaça e transformar as belas paisagens em pastos negros de carvão.

Tudo em volta se ressentiu. O pequeno bando de tucanos com seus bicos de um colorido alaranjado ímpar, que eu via da minha janela, pousados no abacateiro, nas manhãs e nos finais de tarde, parece, não estão mais tão felizes por aqui, andam afoitos, assim como aquele enorme bando de maritacas barulhentas, de um verde que antes se confundiam com as folhas das árvores, as vejo nitidamente, pois somente o verde delas agora sobressai, enquanto não chega a primavera.

E eu cismava inquieta, sentindo a dor da natureza. Os pássaros perdendo seus ninhos nas matas, quiça o seu alimento, e para onde migrarão? Tenho visto alguns migrando para as cidades, quem sabe tentando conviver harmonicamente com o bicho homem na sua selva de pedra, mas tenho minhas dúvidas se sobreviverão. Quem será que terá o prazer de vê-los ainda em feliz revoada? Os filhos de meus filhos conhecerão de perto um tucano, uma maritaca? A alcatifa agora cinzenta, queimaram-na, renascerá das cinzas e sabe-se lá o que a sucederá. Talvez pasto para o gado, talvez arada, será terra de cultivo, ou quem sabe só lhe queimaram para impedir o mato de crescer. Quem sabe a dor que o mato sente, quando as labaredas lambem-no fogosas?

Vi também o riachinho de água transparente escorrendo sobre as pedras lodosas. Terá sido antes uma cachoeira, foi minguando de dor e secando as lágrimas por tanto desamor?

Lembrei-me de Juca Mulato, de Menotti del Picchia, ele ouvia a voz das coisas, numa conexão mágica com o céu e a terra:

“Era um brado: “Queres tu nos deixar, filho desnaturado?" E um cedro o escarneceu: “Tu não sabes, perverso, que foi de um galho meu que fizeram teu berço?” E a torrente que ia rolar no abismo: "Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo". Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura: "Fui eu que iluminei a tua choça escura no dia em que nasceste.” (A voz das coisas, in Juca Mulato, M. del Picchia).

Cismava em diálogo com o telúrico universo, “Nuvens voam pelo ar como bandos de garças...” (Germinal, M. del Picchia). “Tudo ama! As estrelas no azul, os insetos na lama, a luz, a treva, o céu, a terra, tudo, num tumultuoso amor, num amor quieto e mudo, tudo ama! Tudo ama!” (Fascinação, M. del Picchia).

Ouço como o Juca, a voz da natureza. Acrescento, tudo ama, os bichos, as coisas... e o homem tem amado a si mesmo, com igual fascinação, o suficiente para preservar a sua vida?

* Este texto retrata a minha tristeza ao visitar a minha terra natal e constatar o poder de devastação das ignorantes queimadas.

Piracema – MG – final de agosto de 2010

Celêdian Assis
Enviado por Celêdian Assis em 19/09/2010
Reeditado em 13/03/2012
Código do texto: T2506774
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