A arte como mimese em Platão

A arte aparece nas mais variadas culturas, e desde os primórdios da humanidade marca a forma com que os indivíduos se relacionam com o mundo à sua volta. Com o nascimento da filosofia, porém, a arte torna-se m objeto a ser estudado, de certa forma criticado frente ao pensamento que vinha se desenvolvendo.

Podemos dizer que a filosofia da arte nasce em Platão, porém , tal nascimento parece ser um grande paradoxo, partindo da aceitação e que Platão não valoriza as artes, as “belas artes”, e também menospreza a poesia. Na República( 596b) Sócrates fala de uma “amizade respeitosa” que tinha pelo poeta Homero. Porém Sócrates bane o poeta, a pintura muda e os discursos escritos. A arte começa a ser assunto na tradição filosófica, porém, enfrentando resistências no que se refere a sua aceitação como expressão do Belo. “a beleza quase nunca se encarna, em Platão, nas obras de arte”. (A filosofia da arte, p 9)

No diálogo Hípias, por exemplo, o tema central é a beleza, porém, as obras de arte sequer aparecem no diálogo, que apresenta no fim de um caminho dialético, um certo fracasso na definição do que seria o Belo. O mesmo se dá no Banquete, no qual o amor à beleza aparece como purificador do amor dos belos corpos. Assim, os elementos da estética á estão presentes nos diálogos platônicos, mas aparecem de certa forma “reprimidos”(p.10).

Essa certa rejeição da arte e da poesia no pensamento e nos diálogos platônicos se deve principalmente à distinção que Platão faz entre o mundo sensível e o inteligível. O mundo sensível não leva senão à opinião, à mera aparência das coisas. A realidade, a verdade, está no mundo das Ideias, pois “a idéia é o que, por sua presença, faz uma coisa ser o que é”.( p.11). Assim, podemos dizer que o artesão que trabalha a madeira e dela faz uma cadeira, não está produzindo a cadeira em sua verdade. A idéia de cadeira é a cadeira real, e a cadeira por ele produzida faz analogia à idéia real de cadeira. Por isso, e possível olhar para distintas cadeira e dizer que são cadeiras, pois todas são análogas a Ideia uma de cadeira, pela qual as cadeiras existem. Portanto, o artesão não produz as coisas em sua verdade, mas somente em sua aparência (ónta phainómena).

Se o artesão opera produzindo utensílios a partir das idéias, o pintor irá agir por mimese, ou seja, irá imitar as Ideias, assim como no artesanato, mas cabe distinguir a mimese prórpia da pintura, da imitação artesanal. Diante da diversidade acerca da cadeira em questão, o filósofo descobre três dimensões acerca da mesma: temos a cadeira em verdade, ou a Idéia de cadeira, a cadeira individual, e a cadeira pintada. Assim, notamos que há, na concepção platônica, a Ideia geral de cadeira, a partir da qual se admite diversas cadeiras, apesar de diferentes entre si. As diferenças são distorções e imperfeições da Ideia de cadeira, que ocorrem ao serem produzidas pelo artesão, quando concebe uma cadeira individual. Há também uma terceira cadeira, a cadeira representada pictoricamente pelo pintor. “Os artesãos encaram essa Ideia nas múltiplas camas fabricadas, e o pintor imita, por sua vez, a obra dos artesãos”.(p12). A diferença então fica mais clara: o artesão, imitando a Ideia, produz uma cama que apresenta certa unidade, caracteriza-se como coisa. O pintor somente irá reproduzir uma parte da cama, somente uma dimensão. “Portanto, o pintor imita o real, não como este é, mas como aparenta ser”. P12. O artista produz uma simulação, e na concepção grega, um ídolo(eídôlon), uma espécie de imagem refletida no espelho, que não é a coisa em verdade, mas uma imitação. Uma cadeira representada pictoricamente, nessa concepção, é cópia de uma cópia. “A pintura define-se, pois, por seu distanciamento do real e do verdadeiro, produz um simulacro, um ídolo (eídôlon)”. (p.12). Os poetas seguem como os pintores nesse sentido, pois “Todos os praticantes da poesia são “imitadores” que produzem simulacros de virtude” (600 e)

No Sofista, há diferenciação na esfera da arte entre artes da aquisição e artes da produção, estas últimas sendo divididas em produção de coisas reais e em produção de simulacros (eídôla). p13. Assim, os quadros são tomados como simulacros de um objeto fabricado pelo homem. Outro problema apontado por Platão com relação as artes, principalmente àquelas que se desenvolviam em sua época, é o ilusionismo que a mesma produz, com as disposições de figuras e linhas, de forma a produzir uma falsa sensação de perspectiva, profundidade. “Platão não condena as artes enquanto artes”, mas condena o “ilusionismo da arte revolucionária de sua época, na qual vê uma concepção estritamente humanista, relativista, próxima dos sofistas”. (p 13). Skiagraphía, para Platão, é a arte da “aparência enganadora, capaz de dar ao espectador a ilusão de profundidade” (p.14)

“Mesmo que na república se indague a que função da alma atribuir esse “erro visual ocasionado pelas cores, (602c) Platão considera menos esse fenômeno da ‘impressão’ enganadora para o olho um problema psicológico do que uma ‘perturbação’ (tarakhê) da alma, e é pelo fato de ‘estar ligada a esse desagradável estado da natureza que a pinturailusória (skiagraphía) não se encontra longe de ser uma feitiçaria (goêteía)’ (Rep., 602 d)p15

A imitação não é a verdade, não condiz com a Ideia, e ilude o homem, ou seja, não o leva a contemplação das Ideias, não tem papel relevante no processo educativo dos indivíduos.

Referência:

LACOSTE, Jean. A filosofia da arte. Tradução de Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.