CIRANDA DA VIDA
 
    Quando nascemos recebemos um convite... O convite à vida! Mas, pensemos: qual vida? Seria aquela em que ficamos abaixo da linha da miséria, e apenas não morremos? Ou uma vida em abundância, plenamente digna e autônoma?
 
    Quando visito as grandes metrópoles eu experimento do êxtase, afinal aquele cotidiano frenético contrasta-se com os passos lentos do meu interior. Ao tempo que fico embevecido com a modernidade desses grandes centros e toda a sua luminosidade, contemplo também a cor da fome que grita escandalosamente a ausência de humanidade da Humanidade. Chego a duvidar se realmente avançamos e se as fachadas das elegantes construções representam a confirmação do quanto somos inteligentes e criativos. É... De fato prosseguimos. No entanto, eu não festejo... Alegra-se do quê? Aonde estamos indo mesmo?!
 
    A pobreza da maioria alimenta a riqueza de poucos. O ouro reluzente que se ostenta no pescoço é a vergonha da dor silenciosa daqueles que morrem sem pão. Para alguns o convite à vida foi rasgado restando rastejar no submundo o peso da casta inferior. Respondam-me: Todas as vidas são iguais? Onde estará a gênese deste espetáculo sem graça?
 
    A fome que sustenta a caridade cristã, o assistencialismo oco e as políticas compensatórias é a mesma fome que leva as crianças de minha região a cheirar o carvão, a machucar os pés no chão áspero e fervente do meu sertão, a feri a inocência com o peso da pedra. É a mesma fome que arranca a esperança de melhores condições de vida. É a fome que enfraquece a mão suja que tenta escrever o nome no papel e na história. É a fome furiosa que como uma peste medonha sopra o seu hálito insuportável que ceifa vidas. Vidas que desconheciam o direito a vida.
 
    Como defender a vida se o corpo está raquítico e enfraquecido? Como reclamar se a voz calou e se reduziu a um pedaço de gente sem nome, sem distintivo, sem identidade, sem valor... Que horror! Ainda faremos festas?
 
    Envergonha-me falar da fome... Eu que nem sei o seu gosto! Eu que nunca senti o seu toque frio. Eu que nunca me deparei com seu riso perverso e seu mau cheiro infernal. Eu que, nem nos meus piores pesadelos, nunca recebi a visitação da fome. Falo como o mesmo luto que os meus olhos captam as deformidades nas faces de pessoas que como eu foram chamados a bailar na ciranda da VIDA, entretanto foram impedidos.

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Texto enviado para o curso: Direitos Humanos e Mediação de Conflitos, Organizado pela Equipe ITS Brasil (Instituto de Tecnologia Social) e SEDH-PR (Secretaria Especial dos Direitos Humanos).


Imagem - Fonte: Google

 

Toni DeSouza
Enviado por Toni DeSouza em 29/05/2010
Reeditado em 07/06/2010
Código do texto: T2288231
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