ESSE PAÍS NÃO É PARA VELHOS

Já trabalho há tantos anos nesse lugar que já aprendi a pensar no amanhã. Nós vivemos cada instante como se o futuro não nos importasse. Besteira nossa, ele pode ser cruel, dependendo dos nossos atos. Eu tinha 14 anos quando minha mãe que era enfermeira no lar para idosos da minha cidade, o único na época, então todos os velhinhos da cidade que não queriam ou podiam ficar com parentes vinham pra cá. Eu ajudava minha mãe que era viúva e só tinha eu como filho. Eu gostava de jogar damas com seu José, ele era bom e me contava muitas histórias engraçadas, falava de suas filhas, dizia que tinha saudades e que elas eram muito ricas. Naquela época havia cerca de 20 idosos sob os cuidados de 7 profissionais, todos os dias eles eram alimentados, ensinados e livres para fazer o que quisessem dentro das limitações do asilo.

No dia 07 de dezembro de 1961 chega mais um senhor para morar no abrigo, esse foi trazido por seu filho e tinha pouco mais de 80 anos. O filho do senhor aparentava ter 36 anos e era o mais novo. Falou com o Adriano um dos enfermeiros e foi se despedir do pai que estava sentado num banco. Eu por perto lembro perfeitamente do que eles conversaram:

- Pai é aqui que o senhor vai ficar.

- Por quê?

- O senhor está velho. Minha esposa acha melhor assim.

- Mas eu não quero ficar.

- Eu não me importo, já decidi.

- Então tá bom.

O filho saiu sem olhar para trás e o senhor disse baixinho:

- Que Deus te abençoe sempre meu filho.

Quando foi saindo no portão o pai dele disse uma coisa que me marcou: “ Os seus pés sabem o caminho que você andou.”.

A partir desse dia fiquei amigo desse senhor que atendia pelo nome de Miguel.

Seu Miguel ficou uns 6 anos conosco e infelizmente faleceu. Uma de suas netas veio preparar a saída do corpo para o enterro, eu chorei muito naquele dia. Muitos dos meus amigos me deixaram em poucos anos é assim que deve ser mas foi difícil a saudade doía as vezes.

Continuei minha vida no asilo por muito tempo, não me casei, nem tive filhos. Minha mãe morreu há uns dois anos e eu já velho fiquei aqui no asilo cuidando dos mais velhos e sendo cuidado. Semana passada eu sentei-me no banco em baixo da mangueira e fiquei refletindo, lembrei da frase dita a tantos anos por seu Miguel – “Os seus pés sabem o caminho que você andou.”. e me senti melhor acho que meu caminho até hoje foi justo e bom e que ainda vou ser recompensado.

Há dois dias chega mais um senhor pra morar aqui, achei que o já tinha visto e tentei buscar na memória e não conseguia. Ele tinha por volta de 85 anos e foi trazido por uma filha. Na hora que ela o colocou na cama ele disse:

- Não me deixe aqui, foi aqui que deixei meu pai há muitos anos.

- Será melhor para todos nós papai – disse ela com firmeza.

- Foi aqui que deixei meu pai e hoje me arrependo. Me leve de volta.

- Seus pés sabem por onde você andou. – disse ela.

Ela saiu e ele ficou triste. Até agora não pôs os pés fora do quarto. Ele é o filho de seu Miguel, olha como é o destino. Ele veio parar aqui e finalmente ouviu a frase que seu pai disse.

Não maltratem nossos velhos, pois quem dera todos tivessem a sabedoria dos velhos.