COMUM DE DOIS GÊNEROS

Já há algum tempo que algo vem incomodando-me. São estes nós que a nossa rica língua portuguesa, às vezes, dá na nossa cabeça. O motivo é simples. É que nem sempre as normas gramaticais correspondem aos nossos anseios e não consideram aspectos, digamos, psicológicos ou coisa parecida, que a linguagem pode nos causar de mal estar, isto é, nem sempre primam por explicações lógicas. Penso que é relevante considerá-los, posto que, a língua ou linguagem, como queiram, é a voz que expressa comunicação entre pessoas. Diferente da linguística, que se atém somente à ciência da linguagem, ou estudo da língua, isto é, trata de coisas, tais como, conjunto de caracteres, símbolos, sinais gráficos, etc. Portanto, bem impessoal e já entenderão porque.

Para tornar claro o meu pensamento um bom exemplo é a questão da diferença entre gênero gramatical (masculino e feminino) e o sexo biológico, diferente de gênero na classificação sistemática ou taxonômica, em biologia. Gênero no último caso classifica o homem como, Homo, da espécie Homo sapiens, e não distingue masculino e feminino. Vejamos o caso de poeta, homem, poetisa e mulher.

É comum atualmente que as mulheres que fazem poesia sejam tratadas como poetas, ignorando-se o gênero gramatical feminino, poetisa. Particularmente acho louvável e confesso, para mim, poetisa, soa um pouco antipático ou até mesmo meio pedante, não sei dizer por que, mas esta é a sensação que tenho.

Consultando algumas opiniões, percebi que não estou sozinha. Até surpreendi-me como o assunto é discutido largamente e quantas opiniões à respeito dele, que não cabe aqui citar e para tal, selecionei duas bem interessantes. Para Sophia de Mello Breyner Andresen, uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX, “poetisa não era verdadeiramente a forma feminina de poeta, pois atribuía às mulheres um estatuto de menoridade face aos homens com idêntica atividade”. (citado por Edite Prada, em ciberdúvidas).

Muitas mulheres com veia poética, inclusive algumas reconhecidas, intitulam a si próprias, poetas, como é o caso de Cecília Meireles, em seu poema, MOTIVO.

"Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta".

Segundo o Professor gaúcho, Cláudio Moreno, doutor em Letras, “feminino de poeta sempre tinha sido poetisa; contudo, essa forma adquiriu uma conotação pejorativa, por lembrar aquele tipo de senhora que se veste espalhafatosamente e participa das reuniões dessas dezenas de “academias femininas de letras” que brotaram como flores silvestres por todo o território nacional na primeira metade do século XX. Na sua santa ingenuidade, ao criarem essas instituições femininas paralelas, estavam simplesmente reforçando a crença chauvinista de que as “verdadeiras” academias eram privilégio dos homens. (...) Por causa disso, alguns críticos e intelectuais, ao falar de alguém do quilate de uma Cecília Meirelles, por exemplo, começaram a dizer: “É uma grande poeta!”. A moda pegou no meio literário e acadêmico: o vocábulo passou a ser usado por muitos como se fosse um comum de dois (aqueles substantivos como atleta, artista, estudante, jovem, etc., que têm uma só forma para os dois gêneros, mas se distinguem pelo artigo). Hoje, portanto, podemos escolher entre as duas formas de feminino: ou usamos poetisa, ou simplesmente poeta.” (MORENO, C., 2010)

Nada tenho contra a gramática, é especialíssima, mas desenvolvi um raciocínio a despeito do tal incômodo. Pois bem, homem não é feminino de mulher, ainda segundo o Professor Cláudio Moreno: “O gênero, numa língua como a nossa, é marcado pela desinência (ou sufixo flexional) que fica à direita do radical. Menino, menina; lobo, loba (...) aqui temos pares masculino/feminino marcados gramaticalmente pela presença da vogal “A” para o feminino. Agora, em homem, mulher; abelha, zangão, (...) temos pares macho/fêmea biológicos, mas não temos gênero gramatical marcado por desinência.” (MORENO, C., 2010). E poeta é masculino de poetisa, segundo a regra acima.

Considerando tais regras, subtrai daí a seguinte hipótese, acompanhe: Poeta (substantivo masculino) = homem (substantivo masculino) e ainda, poetisa (substantivo feminino) = mulher (substantivo feminino). Quanto ao gênero, homem não é masculino de mulher, embora sejam substantivos de gêneros opostos, mas poeta é masculino de poetisa. Substantivos são palavras que dão nomes aos seres da natureza, ideias, lugares, coisas, etc... e gênero é a propriedade que os substantivos tem de indicar o sexo dos seres pela terminação ou pela significação. Tudo isso pela gramática.

Voltando ao que abordei inicialmente, sobre os aspectos a que chamei de psicológicos: gênero também figura no dicionário como reunião de espécies, que possuem vários caracteres comuns entre si e poeta é aquele que possui faculdades poéticas (arte de fazer versos) e se dedica à poesia, logo deduzi que, os substantivos tratam de coisas, só as nomeia (podem cometer abusos e desastres) e são castradores, limitam. Já os gêneros são mais pessoais, pois dão às pessoas a liberdade de variar em suas interpretações, portanto prefiro-os, entendo-os como “mais humanos”.

Para finalizar, quero ser POETA se eu puder, não por uma visão feminista, mas pela sensibilidade feminina e pela simpatia que o termo encerra tornando-se comum aos dois gêneros.

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Fonte: MORENO, C.

http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/2009/10/07/homem-nao-e-o-masculino-de-mulher/

Celêdian Assis
Enviado por Celêdian Assis em 17/04/2010
Reeditado em 30/01/2011
Código do texto: T2203292
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