Escrever É Um Pé No Saco?

Escrevo para afirmar minha história pessoal, porque essa história serve à experiência transpessoal. Escrevo para mostrar como parte de minha geração participa da percepção das coisas simples do mundo, de sua pseudo complexidade. Porque Criador e criatura podem ser um na manifestação da criatividade literária. Para fazê-los interagir. Sempre. Escrevo porque criar mundividências, fenomenologias ficcionais é, talvez, a melhor terapia e a melhor síntese da yoga da meditação. Escrevo para melhorar meu padrão perceptivo através do exercício racional e emocional de escrever. Para migrar às terras anímicas, invasor e estrangeiro, diminuir a distância-luz entre eu e meus vizinhos. Para reencontrar a verdade de minha experiência, compreendida como intuição das essências. Escrevo porque minha imaginação pessoal precisa encontrar uma forma coletiva de afirmação pertinente. Porque aceito o desafio de sair desse Auschwitz financeiro e econômico das mídias proletarizadas kafkianamente. Porque começar a escrever um bilhete, uma carta, um conto, uma crônica, uma poesia, uma novela, um roteiro ou uma peça de dramaturgia, é como começar uma viagem... gosto de viajar. Escrevo porque escrever é chegar. Porque fazer sexo com os livros ainda é a melhor coisa a fazer depois do sexo propriamente dito. Escrevo porque, breve, vão botar uma camisinha de força no HIV. Escrevo porque ficções fazem a realidade cromagnon desacontecer. Porque há cada vez mais pessoas interessadas na liberdade da palavra ser. Escrevo porque cada pessoa que lê horóscopo está cada vez mais lendo horroróscopo, como se não fosse seu nem fizesse parte de sua dor. Escrevo porque o nada espreita de todos os lados, como uma medusa sartreana no deserto de ácaros da sala de jantar. Para melhor sentir a noite de um eclipse antonioniano. Escrevo para ser mais exigente com minha percepção, por ser carente de meu verbo intencional. Porque a Geléia Real do Crioulo Doido, do “rei Mulatinho” do Planalto Central ameaçava a democracia felliniana das mucambinhas de franjinha. Escrevo porque o saber acadêmico diploma milhares de macunaímas PhDs. Para afirmar que a derrota de Kasparov é a derrota do tecnocrata neo-romântico, de seu lúdico sadismo neoliberal. Para dizer: a vitória do Deep Blue não vale um programa da série Glub-Glub-Glu. Escrevo porque os índios teens, pós-tudo, estão de caras despintadas nos “shopping center” dos corações solitários. Porque palavra é carne espiritual, é o espírito suavizando a vida no túmulo do corpo. Porque escrever é superar os limites das censuras atávicas, ampliar as fronteiras do conhecimento. Escrevo para me ensinar a usar as linguagens, para diversificar “eu” e melhor conhecer outros “eus”. Para ser um perfeito cozinheiro das almas desse mundo. Porque escrever é uma fenomenologia, uma ciência da experiência da consciência. Porque a era dos cibernÉdipos abre a cortina do Teatro do Terceiro Milênio. Escrevo para exercitar certa solidariedade com as multiformas de vida. Para que as editoras e livrarias não se transformem em locais de criação de coelhos e quejandos. Porque gosto e preciso escrever.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 03/04/2010
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