As drogas
Enquanto temos chance, vemos um mundo em formosa desconstrução. Tão formosa quanto a certeza de que ele não acabará (para nós), já que passam-se anos e continuamos a ver edificações, bairros e cidades serem levantados. Por outro lado, crescemos sob a anunciada expectativa de que um dia tudo terá um fim, muito mais por interpretações religiosas do que pela ciência ou consciência humanas. Talvez por isso não tenhamos pensado em evitar a desordem mundial. Ou pensamos?
Ignorando-se quem está certo, se céticos ou religiosos, há que se admitir que a visão sacral teve mais tempo para se expandir do que a outra (racional). E considerando o fim como algo “sagrado”, o ser humano pouco teria a fazer além de salvar a si próprio. E o que parece ter permanecido no inconsciente coletivo foi apenas essa última idéia: salvar a si próprio, independente do que entendamos por salvação.
Estamos muito preocupados com todos, mas claro, um por si e todos também (isso generalizando). O problema é fazermos isso num planeta onde tudo se materializa.
Pegue uma nota de R$ 10,00 e reconheça uma fração do trabalho de alguém, materializado em um papel (de valor). É isso que temos ali. Ouça os sinos da igreja de sua cidade; eles soam de um prédio que é a materialização da fé de milhares de pessoas. Faça um simples passeio de carro e participe materialmente do sonho progressista a todo vapor.
Continue no carro e aproveite o passeio. Percorra as regiões centrais das cidades e se espante com o crescimento de edificações que mudam a paisagem sempre para melhor. Agora siga às periferias, contabilize os adeptos da drogadição e admita que as vidas dessas pessoas já não fizessem sentido antes dessa materialização.
E temos cabeça para mudar isso? Apenas não tratar (legalmente) o álcool como droga já condena nosso conceito de sanidade enquanto sociedade. E se esta afirmação subentende uma preocupação com a drogadição, estamos focados na recuperação de suas vítimas ou no perigo que elas representam para nós?
Quantas vezes você já ouviu a vítima de uma tragédia dizer: “A gente nunca imagina que isso possa acontecer com a gente”, exatamente nessas palavras? Uma clara confissão de que até então, estatística era o codinome do problema de alguém que “a gente” nem conhece.
Assim, droga tornou-se sinônimo da qualidade de muitos serviços públicos e alguns privados. As filas provam que nosso tempo não tem valor, que os impostos costumam ser mal empregados e que já somos viciados nisso. Queremos acabar com as drogas? Então vamos lutar para que o mundo não seja o lar tão legítimo delas.