Descobertas ( de macho)

Fui criada num lar tipicamente feminino composto de tias,

primas , amigas, mãe e irmã.

Meninos eram considerados impróprios para convivência assídua ; " um perigo".

Os machos da minha tenra vida eram os tios, o pai ,o avô,(e os primos mais ao longe).

Um patriarcado severo e distante.

Não me interagi com as nuances dos machos em suas intimidades sentimentais.No meu universo juvenil,

macho era macho : suportava

dores passivamente e resolvia problemas.

Quando me vi com dois filhos adolescentes, a despertar para a sexualidade , que eles não muito bem entendiam, nem eu, precisei recorrer a livros específicos.

Mas quem muito me orientou foi Isabel, minha ajudante

doméstica e braço para toda obra. Impressionante como uma

pessoa com uma cultura geral bem básica , nos faz entender

coisas que nenhum livro científico ensina.

Uma verdadeira amiga.

Um dia, o almoço colocado à mesa, os filhos chegando da

escola , noto a ausência de um deles - um quase menino

ainda . Vou ao quarto ; está deitado em posição fetal,encolhido , lágrimas discretas escorrem dos cantos dos olhos, que ele quer esconder.

Atenciosa , pergunto -lhe a causa. Ele não me

conta e dispensa o almoço.

Não insisto . Conheço-o um pouco , afinal.

Mas na preocupação de mãe ,não consigo entender

meu grande menino , que aos poucos se transforma e não o

alcanço mais.

Isso me magoa, me exclui e assusta.

Volto para a cozinha , pensativa .Comento com Isabel

: -"Não sei o que é. O garoto está estranho..deve ter se magoado , brigado com algum amigo na escola .Ou...(?)

Algo aconteceu! "

Isabel vira-se com ar de entendida , uma sabedoria

marota , cultivada na esperteza de ser a caçula num lar de quatro machos ,

e diz simplificado em filosofia profunda:

" - Liga não... É coisa com mulher".

Num repente, tudo clareou-se. Uma frase curta , simples e

fatídica jogou-me instantaneamente a este universo masculino,desconhecido e muito pouco freqüentado por mim , em tempos mais antigos.

Descobri assim, estupefacta, que machos podem chorar por

mulheres . Mesmo que escondidos e camuflados .

Um choro verdadeiro.

Em minha vida intensamente feminina,

os choros sempre foram expostos de maneira normal em

casa, acompanhados ainda de longos relatos, soluços

entrecortados, lágrimas rolando em abundância ,que mãe , tias ou amigas, secavam com lenços delicados,

podendo até terminarem com algum "sapateado" para expurgar dor mais funda . (rss.)

Além de abraços fortes , carinhosos e palavras

consoladoras. Tudo tão fácil.

Como são bons os abraços nessas horas !!!

Também cheguei a outra conclusão incerta:

talvez por isso a mulheres

tenham a parte cardíaca menos vulnerável.

Elas não têm medo de expor fraquezas.

Que delícia...

E... que universo complicado, o masculino!

(2004)

luferretti
Enviado por luferretti em 10/08/2006
Reeditado em 10/08/2006
Código do texto: T213307