Cap. III do livro O Poder do Perdão: A negociação e a partida

Os dias que se seguiram foram de grandes mudanças na vida de Carlos.

Ele ligou para a mãe em São Paulo dizendo que seguia com a esposa. Explicou-lhe a situação. A mãe não concordava, mas ele implorou para que ela não tomasse nenhuma atitude sem falar com ele primeiro. A mãe, que o amava demais acabou consentindo.

Ele foi se encontrar então com o amigo no finzinho da tarde daquele mesmo dia, deixando Ângela dormindo sobre o efeito de calmantes, que ele mesmo ministrará, e sobre os olhos atentos de dona Maria sua fiel empregada e conselheira dos dias difíceis.

Ao chegar ao hospital, parecia estar doido para voltar para casa, pois lá estava à pessoa mais linda, estavam todos os seus sonhos, toda a sua esperança, tudo que ele mais amava naquele momento de sua vida.

Ao adentrar no escritório viu o seu advogado mostrando uns papéis para o seu amigo. Alfredo, que participara da construção daquela sociedade não acreditava, que Carlos estava disposto a vender a sua parte para Lucas, por razões que ele desconhecia e que obviamente não perguntaria ali naquele momento.

Procederam então os cumprimentos, e Alfredo leu para Carlos o documento de venda, bem como o valor a ser pago pelo hospital.

_ O valor é muito inferior. Disse-lhe Alfredo.

_ Não tem problema, eu não me importo.

_ Então, vamos assinar. Disse Lucas exultando de felicidades.

_ Mas,... Tentou ponderar Alfredo, ao que respondeu Carlos com um menear de cabeça.

Alfredo sem entender nada viu o amigo entregar de mãos beijada o sonho de uma vida.

Ele vendeu a sua parte no hospital pela metade do valor, pediu ao amigo Alfredo, que agilizasse tudo para que ele pudesse estar partindo para São Paulo, a fim de cuidar de problemas particulares.

De volta em casa, subiu as escadarias correndo, a fim de ver aquela a quem ele tanto amava. Adentrou no quarto que se encontrava na penumbra e vislumbrou na cama Ângela, que dormia com tranqüilidade e um pouco mais afastado estava dona Maria de guarda a lhe velar o sono.

O telefone tocou. Maria foi atendê-lo e voltou ao quarto para dizer-lhe que era sua mãe.

_ Oi, mãe a sua benção!

_ Deus lhe abençoe filho! Meu filho você não pode trazer Ângela para cá, ela tem uma família, tem filhas, tem uma vida... Neste momento dona Lourdes percebeu o som do choro sentido do filho.

_ Eu vou já, vou me encontrar com você meu filho, ainda hoje estarei chegando.

Dona Lourdes com o coração apertado de angustia seguiu para o aeroporto, onde pegou o avião particular da família e seguiu para a cidade onde seu filho morava há muitos anos e onde ela mesma morou por muito tempo.

No trajeto se lembrava de momentos alegres e se lembrava das noites de choro e insônia do filho nos dias que antecederam ao casamento de Ângela e Álvaro, só agora se dava conta de tudo o que o filho sentia, o que será que havia acontecido para Ângela estar longe do marido, seria o filho a causa dessa amnésia, perguntas sem respostas percorriam o cérebro de dona Lourdes. Que rezava sem parar para Nossa Senhora de Fátima, de cuja santa era devota.

Dona Lourdes apesar de católica fervorosa acreditava na reencarnação e dizia sempre que nada acontecia por acaso e que tudo que fizéssemos teria retorno de acordo com a Lei de Deus, que é sempre justo e bom.

Depois de algumas horas dona Lourdes chegou indo direto para a casa do filho.

Maria foi a primeira a recebê-la com certa surpresa, mas muita alegria, em seguida desceu Carlos abatido e com os olhos vermelhos de tanto chorar, despencou em seus braços num choro convulsivo, pois conhecendo a mãe como conhecia, sabia que ela não aceitaria tal situação.

Dona Lourdes vendo o sofrimento do filho, já não sabia o que dizer. Ficaram abraçados por alguns momentos e depois passarão ao escritório para uma longa conversa.

Carlos colocou a mãe a par de toda a situação, inclusive sobre a venda do hospital. Só naquele momento ela percebeu o quanto seu filho amava aquela jovem.

_ Meu filho, o que pretende fazer?

_ Mãe, eu conversei com um senhor que fornece documentos e pedi para que fizesse um documento novo para Ângela e uma certidão de casamento para nós.

_ Meu filho, e o esposo dela?

_ Tem um caso! Disse ele quase gritando. Portanto não sentirá falta dela. Na verdade Carlos não sabia de nada, estava inventando tudo.

_ E as filhas?

_ Mas...M...M. Para isso ele não tinha resposta.

_ E então meu filho?

_ Mãe, ela não sabe que tem filhas. Lembrou-se de súbito.

_ Mas as filhas sabem que tem mãe. E as conseqüências? Você sabe o que penso sobre o mal que praticamos... Antes que ela terminasse a frase ele contra argumentou.

_ É a minha chance de ser feliz? E o meu amor? O que faço agora que sei que não posso viver sem ela?

_ Você viverá sempre com medo dela se lembrar? E se ela se lembrar amanhã?

_ Eu teria tido ela por hoje.

_ Meu filho a decisão é sua. Mas você sofrerá muito, pois ela não o ama.

_ Ela pode aprender a me amar.

Diante do amor e da firmeza do filho dona Lourdes estava impotente. Amava aquele filho mais que tudo, desejava-lhe toda a felicidade, mas sabia que a vida lhe cobraria caro por isso.

Aquela altura, já era quase dia e então foram se recolher. Dona Lourdes rodava na cama sem conseguir conciliar o sono. Enquanto isso no quarto ao lado Carlos velava o sono de Ângela. Quando estes conseguirão dormir já era dia claro.

Lá pelas 09h 00 min Ângela acordou se sentindo cansada, sem conseguir se lembrar quem era, porém aquela casa lhe era familiar e aquele homem que lhe velava o sono com certeza deveria ser seu marido, pois ela tinha uma aliança em seu dedo, que demonstrava que ela era casada.

Levantou e aproximou-se dele, como que a examiná-lo. Depois de alguns segundos desceu as escadas, encontrando lá embaixo Maria em seus afazeres, preparando o café da manhã. Cumprimentou-a, Maria respondeu e subiu quase correndo as escadas a fim de acordar Carlos, que já vinha descendo meio tonto.

_ Ela acordou! Disse Maria assustada.

_ Onde ela está?

_ No escritório com... Maria não teve tempo de completar a frase.

_ Mãe! Exclamou Carlos ao entrar no escritório, apesar de seu olhar procurar por Ângela.

_ Ela está ali! Disse a mãe.

_ Oi! Disse ele ao se aproximar dela que estava senta em uma poltrona.

_ Oi!

_ Você está bem hoje?

_ Não consigo me lembrar de quem sou. Quem sou eu?

_ É minha esposa. Neste momento Carlos olhou para trás para ver a mãe, que se afastava.

_ Como me chamo?

_ Júlia! Exclamou num susto, pois não havia pensado nisso. Lembrou-se de súbito dos documentos, era preciso passar os nomes, para que nada saísse errado.

_ Júlia! Júlia! Gosto desse nome. E você como se chama?

_ Carlos.

_ Também gosto desse nome. Eu sei quem é sua mãe.

_Quem? Perguntou num medo, pois ela poderia estar lembrando.

_ Aquela senhora que estava aqui. Ela gosta de mim? Somos boas amigas?

_ Ela te adora! Vocês sempre foram grandes amigas.

_ Nós vamos embora? Vamos mudar?

_ Sim. Nós vamos para São Paulo, eu vou trabalhar lá.

_ Eu conheço São Paulo?

_ Sim nós estivemos lá, antes de... Carlos lembrou-se que foi antes dela conhecer Álvaro.

_ Antes de?

_ De nos casarmos.

_ Acho que vou gostar de São Paulo.

Neste momento Maria vem chamá-los para o café. Ângela então se lembra que quer tomar um banho. Carlos se desespera, pois não tem roupas dela ali. Então ele se lembra das roupas de Clara, que ele não deixou que a mãe desse para a doação. Oh! Como sentia saudades dela naquele momento. Correndo pediu a Maria, que levasse todas as roupas de Clara para o quarto dele. Graças ao zelo de Maria as roupas estavam sempre cheirosas e bem cuidadas como se a qualquer momento ela fosse chegar.

Ângela era magra, bem cuidada, sempre alegre e sorridente, características que mesmo sem se lembrar de quem era conservava.

Ao descer para o café estavam todos a mesa a sua espera. Ao que ela comentou:

_ Como é bom ver a família toda reunida.

Quando dona Lourdes olhou para trás teve uma surpresa, pois Ângela estava com os cabelos presos e com as roupas de Clara e falou como a filha sempre falava, deixando-a com os olhos marejados.

Ângela percebendo a emoção da sogra e sem pode-lhe identificar as causas corre e lhe abraça dizendo:

_ Não fique triste, mãezinha. Vou me lembrar de tudo um dia.

Todos se entreolharam comovidos.

Ângela se aproximou de Carlos e depositou em seu rosto um leve beijo. Sentando-se a mesa e afirmou:

_ Eu vou me lembrar de todos vocês, enquanto isso, por favor, me ajudem a ser a mais agradável possível.

_ Você, minha filha é um doce de pessoa. Disse dona Lourdes.

_ Eu também acho. Disse Carlos sorridente.

_ Mais uma pergunta, eu não uso maquiagem? Eu tive vontade passar batom e não achei nenhum.

_ Podemos comprar. Podemos comprar tudo o que você quiser.

_ Que bom! Acabo de fazer uma descoberta.

_ Qual? Perguntaram todos ao mesmo tempo.

_ Sou rica.

Ao ouvirem isso todos riram.

Todos se sentiam alegres com aquela presença jovem, que pareciam renovar lhes o espírito enchendo-os de paz e felicidade, quase se esqueciam que ela não era parte da família.

_ Iremos comprar tudo, mas lá em São Paulo. Disse Carlos, afinal queria impedir que Ângela, que agora era Júlia se encontrasse com alguém.

_ Oh! Então gastarei mais. Você tem certeza, que quer que eu compre em São Paulo?

_ Sim senhora, dona Júlia.

_ A propósito, eu trabalho?

_ Não! Ultimamente você estava em casa, mas se você desejar pode voltar a trabalhar comigo, como antes.

_ Como antes? Perguntou dona Lourdes, que se lembrou que eles trabalharam juntos na universidade, e que o filho só fez isso para estar perto de Ângela.

_ Não me lembro de muita coisa, mas acho que se você explicar até posso tentar.

Tê-la ao seu lado o dia todo, mas que sonho mais maravilhoso, como era bom vê-la ali em sua casa.

Passados dois dias, com todos os documentos ajeitados e com novas alianças, eles partirão para São Paulo. Dona Lourdes, Júlia, dona Maria sua fiel escudeira e ele.