Visita ao Monstro da Lagoa Negra
Visita ao Monstro da Lagoa Negra
Logo após a mudança do zoológico devido a enchente, o único bicho que restou foi o Monstro da Lagoa Negra, que passava horas e horas na sua jaula, rabiscando versos.
O último dos urubus da região, pois todos se mudaram para o novo endereço, prestava visitas ocasionais ao Monstro que, quando estava de humor arejado, não ignorava o urubu (coisa que sempre fazia).
Perto do anoitecer, de longe, a ave podia ouvir o Monstro recitando em voz alta seus próprios versos:
Felicidades ao compositor, seja ele quem for, por isso, compor.
Existe uma versão dessa música, toda orquestrada, um primor.
Tenho absoluta consciência de que esses versos são, um horror.
Mesmo assim, alegremente me conduzo, ao transpor.
Oh não, você de novo...
- Esperança é a última que morre – salientou o urubu, pousando num galho próximo.
- E o que vamos conversar hoje? – replica o Monstro, jogando fora um papel amarfanhado – espero que não seja sobre esperança, já que esse acabou de se provar um dos assuntos mais dúbios que existem.
O urubu deu de ombros. Depois disse que podiam conversar qualquer coisa e em seguida indagou, se ele, o Monstro, estava bem de saúde.
- Tenho dores nos pés – desabafou a criatura – acho que meus pulmões estão cheios de alcatrão, os dedos da minha mão esquerda doem e os da direita...ei, o que é isso?
Correndo de galho em galho, um esquilo aparece na jaula do Monstro.
- Falei que eles não conseguiriam mudar todos os bichos com competência. Falei, não falei? – se indispôs o urubu.
O Monstro deu de ombros e ralhou entre dentes:
- Tem vários bichos perdidos...
De olhos extremamente arregalados e movendo os maxilares, o esquilo suspirou, olhou para o urubu e indagou:
- Você é o Monstro da Lagoa Negra?
Penas de muda indignação voaram.
- Curioso o que acontece com a fama...- soltou o Monstro, ainda entre dentes.
- Oh...então és tu! – exclama o esquilo, mirando o Monstro.
- Como vai sua saúde? – indaga o urubu, para o esquilo, mas este finge que não ouve e persiste em fitar o Monstro, com olhos desafiadores de esquilo, e por fim pede versos.
- Quais versos queres? – indaga o Monstro, com indisfarçado interesse.
- Os mais recentes, ora essa...- exclama o esquilo, como se tivesse ouvido uma ofensa.
O Monstro enche os pulmões e declama:
Cancelaram meu crediário. Ôxa.
Vão-se as riquezas e ficam as promessas. Opa.
Vão-se as idéias e termina a pretensão. Oba.
Vão-se os neurônios e fica a cabeça. Oca.
Entusiasmado, o esquilo aplaude pedindo bis e mais bis, e se era possível um autógrafo.
O urubu saiu voando, dizendo:
- Agora entendo porque te deixaram aqui.
- Invejoso – rosnou o Monstro de soslaio, enquanto buscava uma caneta para autografar.