Nada a merecer
“Ampla, geral e irrestrita”. Assim ficou conhecida a Lei da Anistia, que surgiu na história desse país no exato momento em que os sustentáculos do regime militar sofriam profundos abalos e já não era mais conveniente e necessário, aliás, diga-se de passagem, nunca o foram, insistir em um modelo de governo ditador e militar. Essa lei beneficiou os exilados, que puderam voltar a sua pátria, aos revolucionários presos, que foram libertos e àqueles torturados, marcados eternamente pela crueldade dos mecanismos de tortura, e, devido a sua amplitude e irrestrição, acabou por beneficiar aqueles que jamais deveriam ter sido beneficiados: os torturadores/mal-feitores do regime.
A década de 70 marca o enfraquecimento daquilo que foi uma das maiores vergonhas da história do Brasil: o regime militar. E, com isso, surgem movimentos de protestos que clamavam pelo fim imediato dessa ditadura, mas era preciso fazer esta transição (ditadura -> abertura política) de forma que aqueles que estavam à frente do regime militar não fossem prejudicados e com isso surge a lei de anistia, de caráter pacificador e que possuía um texto tão amplo, irrestrito e confuso que acabou por ter um efeito contrário àquilo que os civis esperavam, pois não puniu nenhum dos defensores e que eram líderes do regime e nem foi contestada à época.
A Lei da Anistia, a groso modo, parece ter sido a maior pizza já dividida nesse país: lutou-se tanto para o fim do regime e a volta das liberdades democráticas e, quando isso acontece, surge essa lei que não puniu nenhum culpado, muito menos torturadores do regime. E o que mais espanta é que a sociedade da época não contestou, consentindo religiosamente com a mesma. Mais espantoso ainda é, 30 anos depois, a sociedade contestar a lei e pedir sua revisão, mas, é claro, não se pode, teoricamente, condenar tal atitude, afinal, o homem pode mudar suas idéias e concepções, mas nunca sua essência.
Os 30 anos da Lei da Anistia não merecem comemorações, e talvez nem cobrança. Deve-se criticar o texto dessa lei e, mais ainda, é plausível a crítica ácida à sociedade e às organizações defensoras dos direitos humanos e da justiça por terem agido passivamente, quando, de fato, deveriam ter contestado e defendido os interesses dos civis, incluindo nisso a punição daqueles que deveriam ser punidos. Isso somente ocorre nesses primeiros anos desse século e, apesar de todo o senso de justiça de justiça e reparação que a revisão dessa lei propõe, a aplicação desse novo texto seria impraticável, sendo usado, apenas, a título de reparação moral, e até isso é complicado, afinal estamos no Brasil.