Carlos ( 18/12/1947)
Carlos
Cidade de interior, Uberaba, calçada vazia, somente algumas crianças brincando de Pique – Pique, e o Garotinho de dois anos, levando seu carrinho de um lado para o outro, vrum, vrum, é Carlos, olhos claros, lisos cabelos castanhos sobre os olhos, pele tão branquinha. As crianças que correm são seus três irmãos, correm e brincam sem olhar para o lado se vem carro, a mãe Casimira, sentada, dando de mama sua Irmãzinha ainda a mais nova, conversa com Helena sua tia, falavam e falavam e o assunto era Manoel, que vez e outra não voltava para casa. O calor de Dezembro, ajudava ainda mais o atraso de Manoel, que perambulava pelos bares até altas horas, quando voltava para casa. As Crianças sempre iam para cama antes que o pai se apresentasse.
Casimira já estava cansada, mas como uma esposa submissa não questionava o marido e mantinha sempre a casa em ordem, comida pronta e os filhos zelosamente arrumados, não gostava de dar motivos para o marido reclamar. Sua paciência já estava se esgotando pois passava a maior parte do tempo sozinha com os filhos e entra ano sai ano mais um filho chegava para a família.
Sexta feira, dia dezoito aniversário de Carlos, dois anos, o pai entra em casa mais cedo. Uma grande festa, um presente uma bola vermelha, Carlos ainda não sabia o que era aniversário, mas uma bola ele já sabia bem o que podia fazer com ela. As crianças correm para a calçada novamente, estão eufóricos, dentro de casa mais uma grande surpresa, Manoel não estava com o cheiro de cerveja. A esposa que era Cristã estava se preparando, pois domingo iria a igreja com as crianças, fez mais uma vez o convite ao marido, para acompanhar-lhe, e recebeu um sim. Muita alegria na casa da esquina, perto da praça.
Ficou marcada aquela data no calendário de 1959, mas os anos se passaram e muita coisa fez apagar aquele momento. Dois anos mais tarde mais uma criança chegando pra família, e Manoel distante novamente.
Entra ano e sai ano, correria, festa e muita alegria, uma família grande, porém sem um pai presente. E assim percebia – se a solidão de Casimira, que cuidava dos filhos e da casa; vez e outra via seu esposo e no ano seguinte celebrava o nascimento de mais um filho.
Carlos, já ia completar sete anos, gostava de brincar com os vizinhos, também de ir a igreja com sua mãe. Um belo dia dois de seus amiguinhos da rua, o chamou para ir a casa de Alessandra, ela fazia uns doces bem gostosos e eles iam vender e é claro juntar uns trocados para comprar doces e figurinhas de colecionar.Carlos aceitou o convite e passou a vender doces para Alessandra.Aquele garotinho lindo era fantástico, ele vendia tudo tão rápido, mas tão rápido que Alessandra tinha que fazer o dobro de doces para não perder freguês, essa agilidade encantava muito a moça que fazia doces para pagar seu curso de faculdade.Alessandra também gostava de conversar com Carlinhos e ouvir suas histórias, com o passar do tempo se simpatizou mais com o menininho de pele rosada que lhe dava o lucro necessário para pagar o curso, Alessandra seria professora, e amava crianças, como Carlos a ajudava muito resolveu apadrinhar o garoto.Dona casimira também gostava da idéia de seu filho trabalhar assim ele teria menos tempo para ficar jogado na rua aprendendo a ser mal caráter com os meninos da região,depois que Carlos chegava da escola, colocava sua mochila em casa e saia para vender os doces, era um garoto muito aplicado.Até que um dia chegou em casa com uma história meio engraçada:
- Mamãe, vou ser padre, Alessandra disse que se eu quiser, ela me matricula na escola.
A mãe quase caiu para trás, eles eram da igreja Assembléia de Deus, e era inaceitável ouvir que seu filho seria padre, foi então que Casimira resolveu que seu filho não mais venderia doces para Alessandra. Alessandra era boa moça mais tarde Carlos veio a saber que ela era Freira, e estava estudando Letras, gostava de pagar suas próprias contas e amava ajudar as pessoas, não tinha um aniversário de Carlos que ele passava sem presente, e sempre que dava ela lhe dava roupas novas,ela o admirava bastante por que era pequenino e mesmo sem seu pai em casa ele se mostrava responsável. Carlos agora aos dez anos não podia mais trabalhar para Alessandra, nem podia mais sair de casa com os meninos da rua, pois sua mãe achava que ele deveria seguir a mesma religião que ela.
Aos dez anos um pouco antes de seu aniversário, seu pai tornou a aparecer, estava mais parecendo um andarilho que um homem trabalhador, pai de família, não trouxe presentes desta vez, mas veio todo doce e com um monte de conversinhas para sua mãe, Carlos e os irmãos respeitavam muito seu pai, por que aprenderam com sua mãe, que deviam ama – lo.
Depois daquela noite Carlos só viu seu pai novamente dez meses depois quando sua irmã mais nova nasceu. Sua mãe estava sentada com a criança em seu colo alimentando-a quando aquele homem entrou em casa, gritando, parecia um bêbedo sem lar, ele estava furioso por que havia perdido mais um jogo e desta vez perdera tudo o que tinha, deu um soco na mesa e disse para a esposa:
- você só sabe engravidar, todas as vezes que venho a essa casa você aparece com uma criança, Quer me segurar casado com você, quer me deixar pobre sem dinheiro, sem nada.Essas crianças já não tem roupa, nem comida o suficiente para eles e você ainda me aparece com mais uma criança.
O grito assustou todos na casa, seu pai não era nenhum cavalheiro educado, mas nunca teve uma atitude dessas antes,os irmãos se entreolharam, tiveram medo Casimira, não piscou os olhos, ficou imóvel, olhando para aquele brutamonte que lhe agredia com a tonalidade das palavras expressas.E foi àquela noite, quando chovia muito, o céu todo cinzento, com raios e trovoes, aquela noite que passou junto com o medo.O homem que chamava de pai, agora trouxe para a casa o terremoto das tristes emoções.De manhã e Manoel já não estava mais lá, as crianças levantaram, tomaram o café e foram para a escola, quando já estavam voltando para casa, aquele sol, que saiu de trás das nuvens no dia anterior trazia uma grande fome nas crianças, e todos viam brincando pelo caminho.Em casa a cadeira de balanço da mamãe estava ali ocupada, e a mais nova criancinha da casa estava a amamentar, mas a mãe não parecia estar muito bem, e quando todos entraram em casa, realmente perceberam que a mãe estava pálida, e não se mexia, a criança em seu colo estava chorando e parecia que o que estava sugando não lhe retornava em leite.
Eunice, a filha mais velha percebeu que sua mãe estava morta, tentou acordá-la, mas já não dava mais. Retirou então a irmãzinha do colo da mãe e chamou a vizinha.
A policia chegou e levaram o corpo.Encontraram Manoel em um bar na esquina, depois do trabalho sempre parava no bar, comunicaram –no o falecimento da esposa e pediram que ele os acompanhasse.Manoel sentiu muito remorso, na noite anterior falou tudo o que não devia para a esposa, não tinha sido um bom marido, nem um bom pai, e agora o que faria com os filhos?
Na semana seguinte, a família tentou se estruturar,o pai tentou ajudar aos filhos, levou os meninos, Mario, Honório e Carlos, para vender banana e laranja na fera, a filha mais nova, que estava com um mês de vida, foi levada por uma família de estranhos, e não mais tiveram noticias dela.e a filha mais velha saiu para fazer serviços domésticos, as duas mais novas ficaram em casa cuidando do serviço de casa.
Mas Manoel não conseguia, sempre parava no bar para beber e jogar, sua vida já era uma imensa frustração, e não sabia mais ocupar seu lugar de pai, então resolveu abandonar a casa.
As crianças tentaram seguir seu rumo, Carlos então foi convidado a morar com uma família, pessoas que os conheciam a muitos e muitos anos, eram da igreja Batista, e tinham os filhos já mais ou menos criados.Carlos gostou do convite e foi então que ele passou a ter Pai, mãe e irmão todos em uma única casa.