ELIZABETH (14/04/1949)
Tardezinha de terça feira, treze de abril, uma chuva fininha cai sobre o teto da humilde casa de tijolos vermelhos, a cadeira de palha faz um som inconfundível de material antigo, as cinco crianças brincam e brigam sobre o chão de piso grosso, seu Felício ainda não voltou do trabalho e as dores já se aproximavam informando que já está próxima a hora.
Na panela o mesmo vazio das barrigas, na dispensa um pacote de fubá, açúcar cristal alguns mantimentos que chegaram à cesta do mês. A torneira gotejando, o fogão limpinho já se aquecendo, para a preparação do mingau das crianças.
Mais uma criança chegando, mais uma boca para ser alimentada, mais um filho.
O sino da igreja já anunciou as dezoito horas, Seu Felício já deve estar chegando, os pés de Otilia já estão inchados, é hora de por as crianças na cama. Os toquinhos de velas já precisam serem trocados e não dá para subir na cadeira para alcançar as novas.
As toquinhas de tricô estão sobre a mesa, junto aos macacões e blusinhas de frio que Otilia passou os nove meses preparando, todos singelos, amarelinhos, azuis, rosas, verdes, vermelhos e branquinhos, duas mantinhas também acompanham o enxoval, sacolas de plástico separadas para guardar o que levaria para a maternidade. Os olhos de Otília já estão brilhando, falta muito pouco para a chegada de mais um membro da família, Joli grita no quintal, anuciando a chegada de Felicio que abre a porta assoviando.
-Boa noite querida! Como você está se sentindo?
- já sinto as dores, acho que vai nascer, e nós nem escolhemos o nome ainda...
- Querida não se preocupe, vá se deitar um pouco, as crianças já jantaram? Vou preparar minha marmita e colocar as crianças na cama, já estou indo para o quarto.
Já era a chegada do sexto filho, mas parecia que era o primeiro, Felício estava vibrando, estava com tanta expectativa que parecia nunca ter trocado uma fralda, nem acordado de madrugada para acalmar um bebê com cólicas. Otilia também estava ansiosa, não sabia se era menino ou menina, não sabia nem que nome iria colocar na criança. Mas já sabia que estava próximo e bem próximo da criança vir ao mundo.
A noite foi curta, logo o despertador estava executando sua função chata. Felício com a mesma alegria de sempre deixou a cama, seguido de sua esposa que fazia questão de lhe servir o café da manhã. As crianças estavam tomadas pelo sono, o que deixava a casa um imenso silencio, na copa uma vela acesa para iluminar o ambiente, o cheiro de café já estava subindo e junto os pensamentos de Otilia, onde vamos colocar mais uma criança nesta casa tão pequena, seus olhos estavam fitos em Joli que já estava abanando o rabo à espera de Felício, para cumprir com sua tarefa de levá-lo ao ponto de ônibus, e enquanto fitava seus olhos no cachorro, mudava o semblante, teria ali mais motivos de alegrias, com a chegada de mais um prá família.
Um beijo e até logo, Felicio segui para o trabalho, dia quatorze, já se aproxima o meio do mês, mais uma grande casa para entregar, e só faltam dezesseis dias para terminar, muito trabalho, gente muito rica e exigente, não poderia perder um só minuto ao lado da esposa, mesmo que ela daria a luz em muito breve.
Quinze para seis, já estava na porta da grande construção, faltava mais dois de seus colegas para iniciarem o trabalho. Encostado na parede alguns grandes vidros de janela, embrulhados em um jornal, e a ordem expressa do chefe, deve ser colocado hoje para finalização dos fundos. O trabalho começa cedo, já estão todos nos andaimes, tudo pronto, correria, muito suor, quase meio dia de trabalho, e os Piões estão preparando os tijolos, os gravetos e o álcool para aquecerem as marmitas, Felício, sentado em uma grande pedra, aguardando a sua vez, concentra-se em uma das folhas de jornal que envolvia os vidros, e nela estava escrito. A Rainha Elizabeth, Felício, então pula da pedra e diz em alta voz
- Elizabeth, um belo nome, ELIZABETH.
Moço humilde, de poucos recursos, estava ainda aprendendo a ler, mas gostou do Nome, e era de uma rainha, tal como sua filha, que ainda nem sabia se era menina ou menino, mas se empolgou, seria Elizabeth, rasgou o pequeno pedaço de papel onde estava ortografado o nome, para não errar na escrita, e colocou-o no bolso. Mais meio dia, já esta na hora de ir para casa, e Felício está super ansioso para mostrar o nome à esposa, Com certeza ela vai gostar, é um nome lindo. Chega a casa, Joli parece querer dizer alguma coisa, não para quieto um só minuto. Tudo apagado, nem uma vela acesa, mas Felício entra assim mesmo, ninguém em casa, as crianças estão com a vizinha, que vai logo lhe dando o recado, sua esposa já foi mais ou menos umas quatro horas atrás, Felício, corre deixa suas ferramentas em casa e corre para o hospital, no quarto, a mais bela cena, branquinha, com os cabelos pretos, já nos braços da mãe o bebê mais lindo que o casal já viu, uma menina linda, ELIZABETH, atônito, como se fosse a primeira, Cumprimenta a esposa e diz:
- ELIZABETH, nossa princesa linda.
Otilia então sorri e não questiona o nome, é realmente lindo.
Passam – se os dias, e ,Elizabeth, passa ser Beth, em casa entre os irmãos e amigos, Betinha, pois era uma linda menina esbelta, perninhas finas, rosto todo singelo, mais parecia uma bonequinha de porcelana, toda tão miudinha.A família não parou de crescer, e quando Elizabeth completou seus sete anos, já estavam em onze irmãos, A casa continuava pequena e a comida pouca, a energia já tinha chegado no bairro o que ajudava, mas o dinheiro no fim do mês não se multiplicou com a chegada dos filhos, já era de se esperar, os filhos mais velhos precisariam sair para ajudar no sustento da casa e Elizabeth, foi escolhida para ter um destino diferente dos demais. Colégio interno, escola de freira, Elizabeth, moraria na escola, como se ela não tivesse família, agora a escola seria o seu lar, aprenderia e viveria. Seu pai, que tanto queria que seus filhos estudassem, aceitou a proposta, e deixou que sua rainha seguisse o seu caminho, junto aos estudos, quem sabe ela terá mais oportunidade que nós e pode ter um futuro diferente.Verdadeiramente Felício estava orgulhoso de ter uma filha que “ daria certo”. E matriculou Sua filha no colégio de Freiras aceitando só vê-la no fim de ano.
A Simpática garota logo fez amigas, apesar de sua timidez momentânea e agora já era chamada e conhecida como FLOZINHA, por ser tão pequenininha ,frágil ,doce e meiga.
A rotina a mesma todos os dias, levanta cedo, arruma a cama, vai para a reza, toma café, vai para sala de aula, almoça, missa, tarefa da escola e assim todos os dias tudo se repetindo contando os dias que sempre passavam e começavam, sem fim de semana, feriado, dia santo, não havia folga, tudo se resumia em estudar,e se preparar para quando Cristo voltar.
Deviam ser assíduas nos horários da igreja,sempre prezavam por disciplina e nisso eram rigorosos. Umas mulheres novas, bonitas, mas com um humor tão estranho, mal sorriam, eram bravas,faltava algo na vida dessas irmãs que faziam tudo por amor.
A menina ainda nova, uma garotinha já estava aprendendo como deveria encarar a vida,e já sentia saudade de seus irmãos, de seus pais, de Joli, um verdadeiro companheiro. Sabia que seria bem melhor comer mingau de fubá e água com seus irmãos a ter que ficar tão longe de todos, mas ela foi a escolhida, foi ela quem completou sete anos àquele ano, não teria como mudar os fatos, suas pequeninas mãos estavam prontas para receber a palmatória, e escrever com belas letras seu nome e das demais colegas.Seus ouvidos sempre atentos para os hinos de domingo, sua boca sempre aberta para cantar e rezar com o prazer que estava aprendendo que deveria servir aos outros.
Sua família não era religiosa, e não lhe ensinaram os costumes católicos, mal e muito mal sabia rezar o pai nosso, por que era repetido todos os dias na hora do café.
Uma bela manhã, clara, porém cinzenta no coração de Elizabeth, florzinha estava arrumando sua cama ,parou ante o quarto vazio e vagou nos pensamentos, Quem sabe um dia iria sair dali, seria professora, voltaria para casa, e seus irmãos como será que eles estariam bem, será que mais alguém iria pro colégio de freira, e a Rosemeire, sua Irmãzinha, mais nova tão miudinha, como será que ela está. Passavam muitas coisas por sua cabeça menos a missa que já ia começar. Se aproximou a grande grade na janela do quarto e tudo o que conseguiu ver foi o grande muro que delimitava até onde poderia vagar com seus sonhos, lágrimas ousadas e atrevidas invadiam seu pequeno rosto, afogando seus pensamentos e a possibilidade de sair daquele lugar. Ouviu seu nome, mas não atentou que era a Irmã Maria Tereza, já pronta para buscá-la:
- Legal!Você resolveu ficar no quarto hoje, Elizabeth? Já se esqueceu das obrigações, ou já em dois anos e você ainda precisa que te avise os horários da escola? Aqui nós prezamos muito por disciplina e verdadeiramente espero não precisar chamar você novamente para o momento de Oração.
Não era a melhor maneira de ser lembrada dos horários da escola, Florzinha já sabia que não iria ficar barato, ter tido uma atenção especial da Irmã Tereza. E como já imaginava, ao entrar no grande salão cheio de moças, ouviu o tom irônico:
- Você deve ter perdido a hora não é mesmo Elizabeth? Deve ter dormido muito tarde ontem ficou rezando para sua família? Então, suponho que você, deve saber o rosário de cor. Se apresente e puxe a reza para nós.
Pecado capital, não saber rezar significava encrenca na certa, Florzinha suou, estremeceu toda, olhou a sua volta e rapidamente pensou:
- Vamos lá gente Ave Maria...
Não sabia o que era pior ter causado a irreverência na turma puxando o grande coro que a ajudou, ou ter admitido que não sabia rezar, de qualquer forma iria ter que pagar pela sua falta, não hesitou em pedir a ajuda do grupo e foi logo repreendida:
- Que bonito mocinha, você se atrasa para cumprir com seus deveres e causa tumulto no meio das estudantes, você não sabia que precisamos de reverencia para rezar? Você fica comigo, enquanto os outros vão para o café.
E naquele momento se estabeleceu a tarefa da semana para as pequeninas mãos de Florzinha, Irmã Cotia, levou a pequena garota até a sala do padre e mostrou - lhe os mais de dez pares de sapatos a ela:
- a partir de hoje é sua obrigação depois da aula antes do almoço todos os dias quero ver esses sapatos brilhando, ali é a graxa, quero todos bem engraxados, e só mais um detalhe, usará suas mãos para engraxá-los não vá deixar marcas de dedos, preste bem a atenção. De hoje em diante quando olhar para os calos que se formaram em suas mãos se lembrará da reverencia que devemos ao nosso Deus.
A garota deu um suspiro, acenou que sim com a cabeça e a abaixou, não sabia ela ainda que sua mão queimaria com o contato com a graxa, mesmo que soubesse, não atreveria dizer o contrario para a Irmã.
Seu pesadelo estava só começando, ainda tinha nove anos, não sairia dali tão cedo, florzinha já não queria mais ficar ali, já tinha dois anos que não via a família, e o natal como era prometido, sempre estava com programações na igreja e não poderia sair para ver sua família, na verdade não entendia porque seus irmãos e pais não a procuravam, será que eles desistiram dela.Suas mãos já estavam bem calejadas, e já estava vindo o fim de semana, agora sairia do castigo e provavelmente se lembraria dos horários. Seus pensamentos agora seguiam – na em suas obrigações. O ultimo sapato para engraxar, suas mãozinhas queimavam, uma pequena lágrima se fez e percorreu sua face, chegou à boca e caiu como uma singela pétala de rosa, o taco no chão teve uma pequenina mudança de cor e em breve florzinha pode ver um coração se formar, mas a solitária lágrima, atraiu mais algumas e de coração passou a existir uma pequena poça, enquanto o chão se refrescava com o choro de Elizabeth, seus olhos fixavam na fina e delicada mão que ardia,a porta fez um barulhinho suave, uma sobra apareceu,a cabeça levemente levantou, ufa! Não era a Irmã Cotia, era Irmã Alice, ela se aproximou, ajoelhou e pegou nas mãos de florzinha. Seu rosto singelo a diferenciava das demais irmãs, sua voz também era meiga, suave e gostosa para os ouvidos. Era a única que sorria, mas também dava medo, era Irmã.Florzinha a olhou nos olhos e logo desviou o olhar, e com a voz tremula, disse baixinho:
- Já estou acabando, este é o ultimo!
Mas Alice, não disse nada, somente limpou as lagrimas que ainda permaneciam paradas em sua face, e encostou o rosto em seu peito acariciando seus pretos cabelos:
- Não se preocupe,eu vim para ajudar você, suas mãos estão feridas, vamos eu vou cuidar disso.
Na certa Florzinha teve medo, mas e se Cotia aparecer, iria lhe dar um castigo muito maior. Mas o singelo sorriso de Alice, que se compadecia de Florzinha, a fez acreditar que não seria punida uma segunda vez.
- Vamos, me dê sua mão, vou passar uma pomadinha, deixa aí os sapatos eu vou terminar para você, não chore, vai ficar tudo bem.
- quero voltar para casa – florzinha murmurou, meio sem jeito.
- Você vai voltar, já está chegando o Natal e sua família vem para te buscar, aqui você pode estudar, aprende a ler e escrever, isso é muito bom, nem todas as crianças podem, você é especial, você pode vir para cá, e tem um monte de amigas, quando você crescer vai ter uma profissão, vai ter um trabalho...
- Eu vou ser professora, quando crescer? Interrompeu o pensamento de Alice com sua pergunta.
- Não sei, provavelmente, se você estudar, Se você se dedicar, e voltar depois das festas de Natal, mas você precisa estudar. Agora vá está na hora de almoçar.
Florzinha, já estava com um novo semblante,acreditava que poderia sonhar, quando crescer seria professora e iria sair dali, todos os dias ia deixar as suas alunas, colorir, e brincar um tempão em suas aulas, mas para sua surpresa, seus pensamentos foram interrompidos com um toque nos ombros.
- Elizabeth, você terminou de engraxar os sapatos?
- terminei, sim senhora!
- Eu vou olhar se não estiverem bons a senhorita vai engraxá-los novamente.
- sim senhora.
Por um momento tudo parecia mudar, mas a presença de Cotia fazia lembrar que aquele lugar era horrível.
Os dias passaram, os meses passaram, e finalmente chegou Dezembro, suas amigas sempre saíam no mês de Dezembro, mas ela sempre ficava estudando, este ano já não havia mais esperança, tudo já parecia ter se concretizado, e o fim de ano seria do mesmo jeito de sempre.A aula acabou e Florzinha desceu as grandes escadas, para guardar seus cadernos,mas no meio do corredor, foi parada pela Irma Tereza que dizia:
- Elizabeth, me acompanhe.
Estremeceu todinha, e agora, entrou na sala da diretora com a cabeça bem baixa que não podiam ver seus olhos.
- Pai, quem é ela? – uma voz de garoto chegou bem pertinho de seus ouvidos.
- É sua irmã, ELIZABETH
Elizabeth, reconheceu aquela voz, era seu pai,então ela levantou seus olhos, e sorriu timidamente.
- Papai, você veio me buscar?
-Vim querida, este ano você passará o Natal conosco, Sua mãe está muito doente e pediu que eu buscasse você.
As lágrimas de ambos os rostos não se contiveram e rolaram muito, com tanta força que as irmãs precisaram oferecer - lhes lenços para secarem os rostos. Florzinha correu em direção do pai e abraçou-lhe, a camisa surrada de seu Felício, ficou com uma enorme marca molhada e então ela sussurrou em seu ouvido.
- Papai você não vai mais me deixar aqui Não é?
E mais uma vez a voz de Cotia cortou –lhe os pensamentos e a alegria.
- vamos garota, vá pegar suas coisas.- e dirigiu – se para Felicio – Vocês vão passar o natal e a virada do ano com Elizabeth, mas é necessário que ela esteja aqui impreterivelmente no início do ano, na primeira semana de Janeiro, caso contrário ela perderá a vaga para outra criança que quer estudar. Agora podem Ir, bom Final de Ano para Vocês.
Elizabeth, então correu até o quarto e logo arrumou suas malas, ainda ouviu Irmã Tereza gritar para seu Irmão Mário e seu pai, que não poderiam dar mais um só passo para dentro, pois ali era ambiente Feminino, ai, tudo iria acabar, com as poucas roupas dentro da mochila, Elizabeth desceu até o refeitório e despediu de algumas colegas, abraçou a Irmã Alice beijou – lhe a face e sorriu.
- Por favor, Elizabeth, volte depois das festas, é muito importante que você estude, para você ter uma profissão, para você ser diferente da sua mãe.
Elizabeth, fez que sim com a cabeça.Sorriu simpaticamente e se despediu.
Pegou nas mãos do pai, mãos fortes, grosseiras e ásperas, porém mãos que transmitiam segurança caminharam mais ou menos uns quarenta minutos a passos largos, e chegaram no grande quintal, onde varias vezes correu com seus irmãos, o portão fez um barulhinho estridente, e finalmente estava em seu lar, Joli estava ali, cheirou, e ficou rodeando a garota até que eles entraram em casa onde determinadamente estava proibido de entrar. Eram muitas crianças, e todos olhavam para Elizabeth, que ficou muda por um tempo, não dizia uma só palavra, e muito assustada olhava para todos. Otilia estava sentada em uma cadeira descascando alho para colocar no feijão.Também olhava para a filha como se fosse uma desconhecida, não sabia ao certo o que falar, nem sabia quais eram os sentimentos da filha que acabara de chegar de um mundo tão diferente. Maria Lúcia, a Mais velha dos filhos, puxou Elizabeth pelo braço e foi logo mostrar onde seria sua cama.
- Vem Beth, olha aqui, você vai dormir comigo, você fez muitos amigos? É legal, sua escola? Você já sabe ler?
O bombardeio de perguntas deixou a garota confusa, e ela colocou as mãos no rosto e se pôs a chorar. As crianças daquela casa não conseguiram entender, por que ela chorava tanto, como era estranha, não conversava, não corria com eles, e sempre chorava.
Mais uma vez adaptação, agora com seus irmãos, divide cama, dividem os poucos brinquedos, os sonhos e os pratos de comida. E duas semanas passaram tão rápido, sua mãe estava bem fraquinha, e não via a hora de ver seus filhos grandes, não queria mais se separar de sua filha, ainda mais depois de ouvir tudo o que ela passou nos dois anos que estava longe.
Felício, pronto para levar a garotinha de volta a escola, sentado em frente a asposa:
- Querida amanhã já é domingo e nós precisamos decidir, segundo levarei Elizabeth, cedinho para a escola.
- Eu não queria, que ela voltasse para aquele lugar, você viu as mãos dela? Estão machucadas,ela não esta feliz lá.
- mas lá ela vai estudar. E...
- Não Felício, ela pode tentar como os outros, em uma escola publica, e tem uma bem na esquina onde você pega o ônibus, por que ela não pode estudar lá? Não quero minha filha longe mais um ano.
- É mais lá era garantido que ela iria se alimentar direito, aqui nós não temos comida nem para nós.
- Onde come dez, come onze. E ela é nossa filha, nossa responsabilidade.
O destino de Elizabeth estava sendo traçado, sem sua vontade ser expressa, sem saberem o que ela própria queria para sua vida, Seu futuro pertencia às decisões de seus pais.
A noite veio chegando devagar, o sol se despedindo e dando lugar à lua e sua platéia de estrelas, com aplausos o céu recebia sua majestosa lua cheia de brilho e luz.Elizabeth e seus irmãos estavam na calçada correndo, brincando de pega – pega, “como é bom ter irmãos” Elizabeth pensou e expressou com um sorriso.os pais estavam só olhando as crianças correrem e não desejavam mais separa – las, por nada, não valia a pena.
- vamos crianças, entrem, vamos tomar banho - a voz do pai, chamando os filhos.
Todos entraram, e logo estavam todos de banho tomado sentados com o pratinho na mão,
- amanhã é domingo, vamos a igreja, temos que dormir cedo.
As crianças então dormiram, e a noite chegou ao fnal. Manha de domingo, mês de janeiro, o ano já começou. Todos levantaram cedo, e se arrumaram para irem a missa, Otilia já estava pronta com Rosemeire à mão. Todos juntos pareciam garotos de escola, eram muitos filhos, e faziam a maior bagunça no caminho, chegando à Igreja, ocupavam um banco inteiro e formavam a grande família Feliz.
Uma pessoa se aproximou da família;
- Otilia, tudo bem? Fiquei sabendo que sua filha Elizabeth está com vocês é verdade?
- É sim Joana, esta é a minha Elizabeth.
- Eu estava precisando de uma pessoa para me ajudar lá em casa, será que ela não poderia trabalhar comigo?
- Claro podemos conversar, depois da missa a gente conversa.
E quando a missa terminou, estavam ali mais uma vez, traçando o futuro da garotinha pequenina.
Mãos muito pequenas e finas, pequeninas pernas, subir e descer aqueles escadões, seria sua função de agora em diante.o Balde quase do seu tamanho, a escova quase não cabia em suas mãozinhas, mas todos os dias poderia voltar para casa, e no fim do mês teria um trocado.
Os anos se passaram, e a simpatia da menina meiga dominaram os moradores daquela casa. Todos os fins de anos, levava para casa uma grande cesta de natal, com aqueles bolos cobertos de frutinhas, e as frutas para fazer a ceia, não podia faltar os presente que dona Dulce sempre lhe acrescentava como gratidão por seus trabalhos tão bem feitos.
Mais um natal, e Elizabeth, não trabalharia aquela semana, dona Dulce e Joana viajariam e a casa iria ficar fechada sem ninguém.Em casa todos já esperavam por que sabiam que Betinha traria coisas gostosas em sua grande caixa. Os irmãos mais velhos de Elizabeth também trabalhavam, e no fim de ano todos juntavam o pouquinho que recebiam para comprar algumas roupinhas diferente.
Sexta feira dia 15 de Dezembro do ano 72, Todos em casa menos Seu Felício, com muita alegria a noticia é recebida, não terá trabalho para Elizabeth nos próximos quinze dias e o salário foi adiantado, enquanto compartilhava com seus irmãos, o pai entra em casa, cumprimenta todos e com muita empolgação conta como foi seu dia de trabalho:
- Semana passada eu ganhei uma bíblia e hoje eu estava lendo com um amigo, e ele estava me explicando algumas coisas sabe, eu decidi que a partir de domingo eu não vou mais á igreja católica, se vocês quiserem podem ir, mas é que eu li na bíblia que condena a idolatria a santos, então eu acho vou procurar uma igreja que não adora imagens, um amigo estava me ajudando a entender isso e eu escolhi procurar outra igreja.
Ninguém entendeu direito, mas como não eram católicos praticantes, aceitaram o que o pai disse e no domingo seguinte passaram a freqüentar uma igreja Batista.
Na Igreja Batista conheceram pessoas diferente, e fizeram amizade com uma pessoa que trabalhava em um colégio do centro de Belo Horizonte, no Colégio Batista Mineiro, Ela era professora lá e convidou Elizabeth para trabalhar em sua casa , então ela aceitou o convite e na semana seguinte foi trabalhar para Beatriz, a professora de português.
Elizabeth trabalhava durante o dia e a noite ela estudava, chegava em casa bem de noitinha e saía bem cedinho antes do galo cantar. Tinha sonhos, e queria muito se formar, já estava com quase treze anos, e já pensava o que vou fazer quando me formar na escola.
Era uma moça dedicada no trabalho, na escola, nas coisas da Igreja e era uma boa filha assim como os demais irmãos. Seus pais se orgulhavam dela, e ela sempre se lembrava da Irma Alice que dizia, volta para estudar, você precisa ser diferente de seus pais.
Realmente ela estava sendo bem diferente, queria se formar, ter uma profissão, mas voltar para aquele lugar ela não queria mais nunca. Gostava de trabalhar para senhora Beatriz e nos fins de semana também ajudava dona Dulce na grande casa.
Tudo estava indo tão bem, seus estudos, até lhe sobrava um dinheirinho no fim das contas, Elizabeth uma adolescente destemida, estava muito feliz, na igreja ela ajudava com as crianças e sempre estava junto da esposa do pastor ajudando com alguma coisa.
Dezembro então novamente chegou e com ele todas as expectativas de fim de ano. Otilia já estava bem doente,e Felício já pressentia que teria que dar seguimento na família sozinho, Os filhos mais velhos estavam arrumando as coisas para as festas de fim de ano, e até a arvore de natal já estava sendo preparada, os presentes, àquele ano todos teriam direito.
Dia 22 de dezembro, tudo pronto para o natal, um sábado diferente, de manhã Elizabeth foi à casa de dona Dulce que lhe dera presentes e a grande e deliciosa cesta, ao meio dia de volta para casa.já as duas horas estavam à mesa decidindo como seria aquele natal, os pais não estavam em casa, mas os filhos já estavam definindo como seria o natal daquele ano 1973. A Campainha suou,e Beth foi atender a porta. Um homem alto, magro e de voz grave trazia o recado :
- você é filha de Otilia?
- Sim sou Elizabeth.
- Eu vim trazer a noticia, é que sua mãe estava no hospital que eu trabalho, ela faleceu esta manhã, precisamos que alguém da família compareça lá.
Elizabeth, não sabia como dar o recado ao irmãos, e seu pai não tinha chegado do trabalho.Então ela fechou a porta deu um grito enquanto soltava a maçaneta, com o grito simulou um desmaio, assim chamaria a atenção dos irmãos e a noticia seria recebida por todos juntos.
Depois do Velório, ninguém queria pensar no natal, o pai sentado na velha cadeira, olhava pela janela e pensava indeciso como cuidaria dos filhos, Joli estava debaixo da maquina de costura de Otilia,entrou em casa sem permissão, nem teve medo, sentia a falta que a mãe fazia no lar.Vendo àquela cena melancólica de seu cachorro, agradecera a Deus pelo tempo que viveu ao lado de Otilia, mas pedia-lhe sabedoria para ser Pai e Mãe.Sabia que poderia contar com a ajuda de seus filhos mais velhos, mas pai e mãe é um conjunto necessário.
Em breve o natal chegou, as crianças sabiam que não era mais a mesma coisa, os sonhos agora mudaram junto com as responsabilidades. Elizabeth, já estava com quatorze anos, já era uma mocinha e já ajudava em casa, estava na oitava série, e agora precisava cuidar de seus irmãos, seus horários precisariam mudar um pouco, e a escola, ah, a escola era luxo demais para Elizabeth. Agora tinha responsabilidade de mãe...
Muitos outros natais chegaram, muitos anos passaram e os estudos foram esquecidos, e deixados para trás.Quem sabe um dia voltaria a pegar em um livro, ou caderno para por em prática o que a Irmã Alice lhe pediu antes que deixasse o convento.