O CAFÉ DA MANHÃ.

Pequenos momentos que parecem um renascer, como o de hoje, ainda muito cedo quando ao invés de já ter dormido, eu como não raras vezes ainda não me recolhera à cama, nem me permitira o sono.

Ao invés disto me deu fome de pão com manteiga e café com leite, uma fome nostálgica, não parecida com aquele café da manha corrido, com café instantâneo e um pão com margarina, mas um bom e bem feito café coado, com leite fervido e não esquentado no micro, e pão com manteiga de verdade.

Como não sou de passar vontades, ainda mais uma das que eu posso realizar, fui à cozinha passar o café do jeito que eu gosto e como o faço desde a adolescência, infelizmente hoje com pouca assiduidade, café forte, encorpado e cheiroso, leite fervido em leiteira de verdade, no calor do fogo vivo, coei o café já deixando a manteiga sair do estado gelado da geladeira e ir tomando um pouco do seu estado cremoso, que dá sentido a expressão amanteigada.

Num ritual conhecido, mas há muito tempo não realizado, fui coando o café, não em coador de pano que ai já seria demais, mas num coador de papel que serve e faz se serviço. O cheiro do café se espalha pela casa, dando o cheiro certo que devia ter um lar, pelo menos era o cheiro que tinha a casa de meus pais em minha infância, quando muito mal acordado eu tomava um café apressado e ia atrasado ao colégio, olhando o coador, “brincando com a água, fazendo o pó render e deixar o aroma e a beberagem se criar, vou me lembrando de momentos e mais momentos de vida, que assim estive sozinho em uma cozinha, eu o café, o coador a água e o leite a ferver.

Pensamentos gostosos, sem peso, como se o café fosse me pondo em outro estado de consciência numa sintonia com minha forma eterna de existir, o pão aceita a manteiga com prazer, parece feliz de se ver combinado com sua velha amiga, os dois se completam como poucas parcerias se fizeram.

O momento se faz é de estado presente, mas parece um estado de continuidade despreocupada como se a vida de fizesse por si só, será que não se faz?

Sento-me a mesa, coisa que hoje em dia tenho pouco costume de fazer, sempre sentando a frente do computador ou da televisão e me ponho a deliciar aqueles sabores que vão de combinando, do leite que ferveu e coei com aqueles coadores, que tem o mesmo formato desde meu nascer e até mesmo antes disto, misturado ao café forte, adoçado com o proibido e temido açúcar, que comiamos de colher em nossa infância. Lembro-me, agora, de passar açúcar no pão com manteiga e comer com gula pecaminosa, das manhãs de domingo onde já mais acordados a família tomava café antes de se preparar para o almoço na casa da Vó Maria, enfim mil sabores e mil memórias.

Tudo que só e somente só, um café coado e um leite fervido em leiteira e um pãozinho de padaria com uma generosa camada de manteiga pode fazer a vida ter esta sensação de continuidade, que ninguém pode tirar de nós, mesmo que passemos anos e anos sem este afinado quarteto, sempre teremos sua atuação de cheiro, sabor e mesmo o som da faca no pão da leiteira no fogo e do café que passa do coador, a visão do preparo o tato do pão e da xícara quente, isto é estar em cognição com a vida. Bom dia começa assim. Bom dia!!!

Guilherme Azambuja
Enviado por Guilherme Azambuja em 28/11/2009
Reeditado em 16/05/2013
Código do texto: T1948612
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