Do Amor
Por anos como poeta se tenta descrever o amor. Um sentimento tão complexo e infinito que desde a aparição da poesia é cercado de mistério. Por amor se mata e se morre, se chora e se ri, se destrói e constrói. Como poeta, tive a mesma tentativa de descrevê-lo. Surgiu então uma pessoa que realmente me deu uma clara noção do que seria o amor. Pensador que sou e ruminante de idéias não pude deixar de pensar em meu sentimento. Dele obtive algum resultado.
O amor se divide em três sentimentos. O primeiro, o mais óbvio, o companheirismo. O segundo, a posse. E o terceiro, a servidão.
O companheirismo é voltado na reciprocidade, ao estar junto, o compartilhamento. É a conversa, o abraço, é quando se põe a outra pessoa no mesmo nível que você mesmo, equipara-se a ela, a cumplicidade, enfim, o companheirismo. Há uma medida que mede o companheirismo que é a saudade. A saudade é o sentimento único, diferente da nostalgia ou da mera falta, é muito mais profundo.
A posse é voltada no recebimento, no ter, possuir a outra pessoa. É a objetificação da pessoa, quando a põe em um nível inferior ao seu, ela é sua e de ninguém mais. Sua medida é o ciúme. Aquilo que é seu e que não se compartilha, que não se deseja compartilhar.
A servidão é voltada na dação, se entregar a outra pessoa, reverenciá-la. É colocar ela em um pedestal, colocá-la em um nível superior ao seu, é fazer tudo por ela. Sua medida é o sacrifício. É negar seus próprios desejos para atender os desejos do outro.
Há de se ressaltar que as medidas, são realmente medidas. Quanto mais fortes a saudade, o ciúme e o sacrifício, maior é o sentimento correspondente.
Esses três sentimentos, se juntos, configuram o amor romântico, de um homem com uma mulher, marido e esposa, mas, se separados, tem características próprias.
O companheirismo por si só é a pura amizade. Você sente saudades de um amigo, mas não se tem ciúmes dele ou se faz algum sacrifício por ele. É aquela pessoa que se gosta de conversar, mas que é tudo o que há: o companheirismo. Quando o companheirismo é dotado junto com a servidão, quando se há a saudade junto com o sacrifício, se está diante da família. Mesmo que a pessoa não seja membro de sua família, a junção desses sentimentos traz o status família para essa pessoa. Já o companheirismo com a posse, é uma relação material única do artista. É o amor ao hobby, ao ofício. Há certo ciúme do artista em relação a suas obras, tanto o há que existe um ramo do direito todo voltado a sua proteção, mas há também o companheirismo com a obra. Não que o artista converse, interaja com a obra, mas que se interage com ele mesmo. A obra é material de auto-reflexão e surge sim uma saudade da obra, geralmente com artistas plásticos que vêem suas obras irem embora para galerias ou decorar alguma casa. Tanto é verdade que há o direito do artista de ter consigo cópia da obra original, mesmo que vendida.
A posse sozinha é pura, é objetiva, é material, se tem aquele objeto e o ciúme é configurado na proteção desse objeto, por menos valor que tenha e por menor que seja a proteção do possuidor. Há sim o sentimento de posse entre humanos, mas esse sentimento raramente chega a algum extremo de ciúme. Objetifica-se mulheres, e agora homens também, e como qualquer objeto se usa e se joga fora. O caso que houve no Estado de São Paulo da Eloá foi uma pura demonstração de objetificação de um humano que chegou ao extremo. A posse quando junta do companheirismo já foi explicitada no parágrafo anterior, no entanto, a posse quando junta da servidão causa um sentimento muito parecido. São os objetos de poder, os objetos sagrados. É aquilo que a pessoa tem como sua, mas ao mesmo tempo tem adoração e um apreço imenso a ponto de se sacrificar por aquele objeto. São as imagens religiosas, objetos de herança, representações da pessoa amada ou de família.
Por último, restou apenas pronunciar-se sobre a servidão pura. Servidão sem companheirismo ou sem posse é a fé. O amor a Deus só se configura pela servidão pura. Não se espera nada em retorno nem se deseja nada em retorno. Não há companheirismo com Deus, apesar de Ele estar sempre conosco, não há a reciprocidade, o companheirismo é sempre via de duas mãos. Deus nos responde e nos escuta, mas não há o sentimento de companheirismo com Ele, pois ele é sempre maior que nós. Prova disso é que não há saudade Dele, está sempre conosco. Tampouco há posse, Deus não é servo de ninguém, não se exige nada Dele, não há ciúmes de Deus, pois há Deus para todo mundo.
Juntando-se os três sentimentos (posse, companheirismo e servidão), tem-se o amor romântico, o amor como o amor foi concebido. Há posse, há ciúme, há companheirismo, há saudade, há servidão, há sacrifício. Os três sentimentos juntos devem se equilibrar para que haja uma relação saudável. O trovadorismo, nas cantigas de amor e de amigo, demonstra muito bem como a pessoa é ao mesmo tempo sua posse, sua amiga e sua senhora. É esse sentimento triplo que aglutinado configura o amor.