A Usina Vermelha
Sonhei, uma vez, com a usina vermelha, a cidade administrada pelos operários metalúrgicos.
Do meu quarto de hotel fuleiro, enfrentava as noites insones, espantando os pernilongos e ouvido os choques dos vagões ferroviários manobrados pela locomotiva diesel barulhenta na via férrea bem ao lado do hotel.
No dia seguinte teria que trabalhar, com sono ou não.
Volta redonda, naquele tempo, era município de segurança nacional, mais um dispositivo inventado pelos milicos para impedir que o povo votasse livremente, e tínhamos que tomar cuidado com os dedos-duro. Caluda, companheiro, nada de comentários irreverentes.
O aço, naquele tempo, ainda era feito com a tecnologia inefeciente e poluidora dos fornos Siemens-Martin, aquela fumaça cor de terra vermelha grossa, sendo jogada pelos ventos dominantes sobre o bairro popular do Retiro. O lingotamento era comvencional, uma fundição em que o aço líquido era despejado em moldes enormes, as lingoteiras. Essas teriam que passar por um aquecimento em enormes fornos, os fornos-poços, antes de serem laminados em placas nos laminadores-desbastadores (hoje, os lingotamentos-contínuos despejam as placas em profusão).
Lembro do dia em que um peão se jogou dentro do forno poço. Caiu ou se jogou? Sei lá; acho que foi mal de amor. O seu corpo caiu sobre um lingote rubro de quente e se desfez rápidamente. Ficou apenas uma mancha com o perfil ocupado pelo corpo. Alguém comenta jocosamente que esse lingote dará bom aço, pois estava lubrificado. Filho da puta.
Em 1979 fui até a igreja. Uma reunião de meia dizia de gatos pingados falava em fundar um novo partido. O partido dos trabalhadores. Achei estranho usar a igreja para este fim e propus o aluguel de uma sala.
Queriam fazer pichações na cidade. Votei contra. Afinal, estão anunciando o que? Um produto que não existe!
Mas um colega foi preso com uma menina fazendo pichação. Acho que foi com ela porque estava a fim de namorar.
Logo percebi que os membros do grupo eram todos ligados a alguma organização. E que eu, como independente, poderia apenas ser um tolo a ser usado pelas decisões de tais organizações. Sendo indisciplinado, nunca aceitaria cumprir ordens de um idiota qualquer que nem conhecia.
Deixei de ser um companheiro confiável e passei a ser discriminado pelo grupo. Aquele viria a ser o germe do PT.
Soube depois que cada membro do grupo seguiu por um caminho. Muitos arrumaram empregos nos sindicatos. Outros já faleceram.
Eu continuo sonhando com a usina vermelha, ela que já foi privatizada.