O Espelho

Ainda estou com sono, vou ficar mais um pouquinho na cama. Que despertador mais chato, deixa-me dormir, só mais um pouquinho, cinco minutos e eu levanto. Que estranho, o despertador me acordou, mas tem algo muito diferente aqui, por que a mãe não veio me chamar? Será que hoje é domingo? Será que ela foi pra praia e esqueceu de me levar? Será que ela morreu enquanto dormia ou será que fui eu? É melhor parar de pensar bobagens e ir levantando logo. Esqueci de dizer meu nome, desculpem-me, mas eu acho que não tem muita necessidade não, aliás pra que essa curiosidade toda? Por um acaso o nome vai me definir? O nome vai dizer do que eu sou capaz? Um nome é só uma invenção humana, algumas simples palavras, resumindo mais uma inutilidade humana. Assim como a idade, quando conheço uma pessoa nova ela sempre me pergunta a minha idade. Sabe, eu nem me incomodo de dizer a idade, mas será que não há algo mais especial em mim que a minha idade?

Com o tempo vocês vão me conhecer melhor, vão ver que sou muito mais que um nome ou uma idade e que esse tipo de coisas são muito genéricas para definir um ser humano, nós somos muito mais que isso, vamos muito além de palavras, ou será que você nunca sentiu algo que não pudesse ser definido por palavras? Pois eu já senti tanta dor que pensava que meu coração fosse ser partido, senti tanta alegria que pensei que meus lábios iam dilatar para que o meu sorriso fosse maior e traduzisse minha alegria. Mas apesar das palavras, ninguém nunca vai saber o que eu senti, não tem como explicar, é um sentimento só meu e único em cada momento.

Mas deixa-me levantar logo, vou ver o que está acontecendo. O sol já está alto, mas a mãe não está na cama, melhor assim, pelo menos não tenho ninguém pra me cobrar nada. Detesto quando eu acordo e a mãe já vai logo gritando comigo, me dando ordens, menina, faz isso aqui, menina faz aquilo ali. Pelo menos eu posso fazer o que eu quero.

A menina vai caminhando alegre em direção ao seu quarto novamente abrir as janelas para ver como está o céu. Mas algo estranho acontece. Ao passar em frente ao espelho ela tem uma terrível surpresa ou o que viria a ser apenas uma constatação. Tem alguma coisa errada, isso só pode ser uma brincadeira. O espelho que antes refletia uma pele adolescente, um rosto esguio com algumas espinhas da menina de cabelos cacheados e olhos tristes, agora reflete o nada. Olhei para as minhas mãos, só consegui ver o chão. É como se eu não estivesse aqui. Correu até o outro espelho, olhou em todos os espelhos da casa e acontecia a mesma coisa. Eu não tenho imagem. O que eu tanto temia aconteceu, eu fiquei invisível literalmente. No começo o nervosismo ocupou todos os seus pensamentos, mas depois foi se acostumando com a idéia. Isso deve ser passageiro, pode ser um sonho, que coisa mais estranha.

Continua...