O Boró do Caseiro ou a República de Ribeirão
O BORÓ DO CASEIRO
Ou
A REPÚBLICA DE RIBEIRÃO
- Ô Nildo, o chefe chegou.
- Ainda não senhô.
- Tá bom, quando chegar nos avisa.
- Tá bem.
A reunião animada dos amigos atropelava por vezes o entendimento claro do que realmente estava acontecendo. As meninas contratadas da Jean Mary Córner se excediam em abusados mimos, a ponto de causar ciúmes entre os membros da nobre confraria de Ribeirão Preto. Os três companheiros com influentes relações políticas no governo - que por sinal era também conduzido pelo partido dominante do qual faziam parte - manipulavam licitações publicas, regando com propinas os regos ambiciosos das confiadas instituições. Tudo muito simples. Bastava saber quem procurar. A mansão alugada servia como uma central de negócios, cujas contas eram assumidas por um consorcio de empresas interessado em prestar serviços às entidades oficiais. Costurado os acordos e pactuadas as respectivas participações proporcionavam um trem bom de vida.
Agora, aqueles porqueiras do congresso resolveram atazanar a nossa vida, disse Rogério aos demais. Criaram uma CPI para investigar essas coisinhas que habitualmente fazemos, que é de contentar os outros. Contaram-me que na tal CPI o seu tá na reta Poleto com aquelas três caixas de uísque que você levou para Campinas.
Espera aí o interfone está chamando.
- Alô, obrigado.
O Nildo avisou que o chefe chegou.
A residência do Lago Sul de Brasília zelada pelo Nildo, caseiro combinado e filho bastardo de um empresário do nordeste que pagou em dinheiro a paternidade não reconhecida, tinha irrestrito conhecimento da propriedade, bem como recepcionava a todos visitantes e convidados, providenciando tudo que fosse necessário. Conhecia muito do que ali se passava. Até que a imprensa não se sabe como, noticiou que naquela casa foi visto o chefe, o então Ministro Palocci. Prato cheio na cantina do planalto. Sombras negras e atrevidas bajulavam a conduta daquele que regia os destinos da Fazenda. Mais um bocadinho de espertos proceder descobririam o que ele fazia lá. Com pouca demora e primazia, um importante jornal convenceu o caseiro a dar uma entrevista. Publicada a matéria, esta revelou as consabidas visitas daquele senhor de língua presa que dirigindo um carro prata aportava invariavelmente sozinho na chamada Casa do Espanto. Assediado, negou de maneira impertinente a sua presença naquele reduto de lobby, bem como desconhecia seus ocupantes. Tal assertiva foi levada ao chefe da nação e a denominada CPI. Muito nhenhenhém surfou pelas pranchas do fuxico, atravessou os corredores do palácio, ventou pelo congresso abanando seus parceiros e um coral de eloqüentes hurras a oposição comemorou. Muita safadeza o relegado povo pagava pela carga de tributos que, abrigados nos alforjes da sacanagem, patrocinavam benesses aos mamolas do poder. Bem feito, o barbudão ficou na mira do caçador. Contrariedade atribuída aos adversários tratou de se armar. Nesse entremêz a comissão convoca o caseiro a prestar esclarecimentos. Impedido o seu depoimento por uma liminar obtida, Nildo reafirma as visitas do ministro. Esta informação foi também corroborada pelo motorista Francisco das Chagas. Mas, eis que a jornalista Helena Chagas soube através do seu jardineiro daquele dinheiro covarde depositado. Desconhecendo a origem, repassou a informação ao senador petista Tião Maia que por sua vez transmitiu ao Palocci e este chamou o Presidente da Caixa Econômica Federal ao seu gabinete. À noite e de posse do extrato tirado, exibe-o ao ministro que se encontra na companhia de Marcelo Netto, assessor de imprensa do Ministério. No dia seguinte o extrato foi publicado no site da revista Época. Podemos imaginar a intenção e propósito. Desconhecia-se naquele momento a procedência da informação veiculada e do dinheiro apontado. Mas o que importava era sublinhar que o caseiro mediante paga pelos seus opositores políticos mentira intencionalmente. Praticada a violação do sigilo bancário, estabeleceu-se a polemica de quem tinha autorizado. O borogodó do ministro estava em alta e o molusco cabeça chata de nove tentáculos e não dois, que habita a concha oficial do Planalto decidiu defenestrar aquela pipa empinada. Por tal abuso o Ministério Público denuncia criminalmente aquele que supostamente teria dado a ordem de fuçar a conta alheia. A fazer-lhe companhia vão o Jorge Mattoso e o Marcelo Netto. O bafafá armado ilustra as manchetes de todos os jornais, considerações daqui e dali são apontadas, políticos e politiqueiros de fala mansa recheiam com indignadas ilações a afronta cometida. É a luta do poderoso contra o oprimido e por aí vai. Nessa altura, o caseiro que com sua boca grande causou a queda do ministro, estimulado, resolve cobrar regiamente a indecência publica configurada. Sapeca duas ações contra a Caixa Econômica Federal e revista Época. Decorre o ano de 2006, o ex-ministro retoma a sua atividade parlamentar no aconchego de seus pares e o coroado nordestino biscateia lavando os muros de pedra e calçadas das mansões do Lago Sul. É desnecessário e aborrecido refletirmos sobre os tramites e fases temporais da denuncia abrigada no Supremo Tribunal Federal. Os luminares daquela egrégia casa tiveram muito tempo para aconselhamentos e consultas, visto que estamos em 2009. Aqui do lado de fora no dizer de José Nêumanne ...transformaram o julgamento numa espécie de turfe de resultado antecipado – e ninguém pediu desculpas ao distinto público por ter a previsão de nove a zero virado uma disputa apertada de cinco a quatro -, tudo foi tratado como um espetáculo. E não um evento de gala, mas uma espécie de encenação da Paixão de Palocci num circo mambembe. Conhecido o resultado, todos dispensados, ficamos com a suspeita frase do advogado de defesa José Roberto Batochio ...mas o poderoso também merece justiça.
paulo costa
setembro/2009