PÂNICO NO LAR

A casa estava que era só desalento. Tetê avisou a patroa dos motivos que a levaram a não comparecer ao trabalho naquele sábado. As duas mulheres quedaram-se sentadas na cozinha, ao lado do celular da moça. Como na voz do povo sempre se ouve dizer que, se a notícia é ruim a gente fica sabendo logo, esperavam, ainda que com os nervos em frangalhos e temerosas, somente uma boa notícia. Os minutos escoavam-se tão lentos que pareciam horas, mas somente naquela casa. Lá fora a vida continuava com os matizes da normalidade de sempre. As crianças brincavam na rua, sem asfalto e sem maiores cuidados, em sonora algazarra; os cães vagabundos visitavam as latas de lixo no afã de encontrar algo comestível; o sol quente do verão carioca fritava as já morenas epidermes, valorizado a cor mulata dos filhos dos morros.

Mas, lá dentro daquela casa, no redil da ovelha perdida, por ser ela muito amada, reinava o silêncio absoluto que, por ser abominado e odiado por ser ele o próprio silêncio, a negação de notícias daquele ente querido, aumentava, instante a instante, a contrição dos corações amantes da mãe e da irmã do desaparecido. Os ponteiros do reloginho barato que estava em cima da mesa dizia às duas que já ficara para trás o meio dia, o costumeiro horário do almoço. Nenhuma das duas sentia fome, mesmo porque, na ansiedade da espera, nada haviam preparado para essa refeição. Dir-se-ia que até o estômago ficara em compasso de espera. Mudos, os órgãos do corpo não reagiam e nem interagiam. Somente a audição estava voltada para o pequeno aparelho de comunicação posto pela dona em cima da mesa. A qualquer momento deveria anunciar, com estardalhaço, o surgimento de vestígios da pista ou das pegadas daquele por quem choravam os corações da família. Mas, por ora, todos os espiritozinhos impuros, travessos e brincalhões, que se compraziam em divertir-se com o desespero alheio, induziam esses condoídos corações a pensar em notícias fantasiosas e de péssimo humor. E, esses pensamentos desconsoladores, não fora a fé que as duas mulheres tinham em Deus, instalaria, fatalmente, o desespero nelas e somente Ele sabe o que seriam capazes de fazer para obter as respostas que tão ansiosamente esperavam.

E o movimento giratório de transação do globo continuava em sua marcha inexorável, não dando tréguas ao tempo, que ficou parado. Há muitas horas as duas ficaram nessa espera e nada acontecia. Há de se compreender o luto involuntário que lhes ia na alma. Mas as duas não desesperaram da sorte. Mantiveram a agoniada esperança que o Nelson retornaria à casa, são e salvo. Mas o inesperado queria pregar-lhes mais uma peça.

Enquanto Tetê permanecia tensa e quase sem respirar, atenta ao momento tão esperado da chamada do seu celular, que não acontecia, dona Bina levantou-se da cadeira para tomar mais um copo de água. Ela acreditava que a ingestão do líquido tinha o poder de equilibrar o sistema nervoso. Ao voltar do seu breve passeio até o balde, trazia um copo também para a filha. Quando estendia o braço para alcançá-lo, as duas tiveram a nítida impressão que estourara uma bomba dentro de casa, tal o impacto do tilintar estardalhante do telefone. A mulher levou tamanho susto que, saltando-lhe da mão, o copo espalhou cacos por todo o recinto. Quando a moça finalmente tomou o equilíbrio emocional, estendeu a mão para agarrar rapidamente o aparelho, que colocou junto ao ouvido para ouvir, finalmente, notícias do irmão.

... e ele não estava morto!

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 28/08/2009
Reeditado em 28/10/2009
Código do texto: T1779218
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