O OLHAR

Sabe-se muito bem – ou acredita-se - que a divindade ao pensar o que fazer, pensou constantemente em uma perfeita harmonia. O Dia à Noite; a Terra ao Sol; o Orvalho à Lua... Em sua infinita sabedoria, a divindade Suprema fez tudo conforme sua dinamicidade e pró-criação. Não é de negar, que ao voltar sua face feminina ao Sol, a Terra rendeu-se aos seus encantos e ofereceu-se como a noiva ao seu amado. E então, aconteceu o inesperado. Cheia de sementes germinativas e fecundadas pelos raios espermáticos do Sol, explodem. A Mãe-Terra com a substância necessária para gestação, faz realizar-se o que "em nenhum outro lugar do universo aconteceu” ou acontece. A vida nasce. Brota o fruto de um fecundo e divino olhar. Como diz o poeta: “A floresta, sobretudo, com o mistério de seu espaço indefinidamente prolongado além da cortina de seus troncos e de suas folhas, espaço encoberto para os olhos, mas transparente para a ação é um verdadeiro transcendente”... algo que ultrapassa os limites do desejo e do contato egoístico e desprezível em qualquer relação.

“O que seria necessário – e é – exprimir é a grandeza escondida, uma profundidade”... para que, enfim, completem-se e enamorem-se constantemente, e onde a magnânima Terra possa, em toda sua majestade e formosura expressar: “vejo-me atravessada por raios, lacrada pelo sol”.

Contudo, acredito, que marcada pela surpreendente e suntuosa romanticidade destas criaturas, a divindade cria e sopra com o aroma da paixão o homem e a mulher. A estes, também, não os deixa à deriva da natureza apenas, mas agraciou-lhes com os olhos. Pensou. Quando olharem-se um ao outro, sentirão um ao outro em suas almas a ponto de quando se afastarem, gritar em alta voz, ou de alma à alma: “voltas os meus olhos para minh’alma”...e assim encontrarei a paz. Diz outro poeta: “olha a graça que paira nesta fronte ... olhos sem sensos, sensações sem olhos”... Sim, sem olhos. Porque, sensação. No entanto, visto que a partir do momento em que os olhos se encontram, já não há mais sensação, nem sentido. Há vida. Vida que se coaduna em perfeita harmonia, que faz fluir não mais a aparente certeza de dois corpos, mas a transcendência mesma de duas almas antepostas. Ou, a bem dizer, unidas instantaneamente.

O homem, depois de contemplar os olhos alheios da amada fenomenalmente volta-se para seu lar, sua mansão, e na solidão e segurança, aperta fortemente as pálpebras, por que “como sonhador solitário sabe que ouve de outra maneira quando fecha os olhos. Para refletir, para escutar a voz interior, para escrever a frase central, condensada, que vai ao fundo do pensamento”... e revela o coração ou à ele o que os olhos, antes, contemplaram.

Há entre o sol e a Terra, homem e mulher, uma verdadeira e grande relação. Ambos se olham. No entanto, há também uma divergência incontornável. Por dois motivos. Primeiro, porque entre eles, Sol e Terra, há apenas transação de olhares, e segundo, porque não lhes é permitido sentirem-se reflexivamente. Entre homem e mulher, isso lhes é próprio. Há transcendência. O homem completo em sua finitude-infinitude pode falar hiperbolicamente: “meu amor envolvia o universo”. Ou então expressar-se como o filósofo: “é preciso ser muito leve para conduzir sua vontade assim tão longe e de certo modo além de seu tempo, para criar olhos que possam enxergar milhares de anos, e que seja o céu claro a se refletir nesses olhos”.

Joseiton Nunes
Enviado por Joseiton Nunes em 19/06/2009
Reeditado em 25/06/2009
Código do texto: T1657434