DO LIVRO DOS SONHOS (1)
Acordei sem nem mesmo saber se estava acordada ou dormindo. Uma estranheza vinda de sonhos que não pareciam meus. Mas eram meus, logo percebi. Eram meus porque eu era eu e tudo que havia em volta de mim era meu embora apenas pudesse perceber os contornos. Mas por que me pertenciam aqueles objetos, onde eu os fora buscar? Uma família de girafas olhava para mim do alto de seus longos pescoços. Será que de tanto andar com a cabeça nas nuvens acabei me transformando em uma girafa? Acho que não, meu pescoço é curto e gosto de disfarçar essa anomalia – profundos decotes em V ou U, sempre peço a costureira. Nada de gola agarradinha no pescoço. Mas que pensamentos despropositados? Estou deitada com a cabeça nos pés da cama, pensei. E como foi que eu vim parar aqui? Ouvi uma frase: sentimos solidão quando percebemos nossa impotência. Quem foi que falou? Conheço essa voz, pensei. Ela costuma forçar a entrada e depois não consigo me livrar dela. Solidão e impotência. Um avião atravessa a noite e eu continuo pensando mesmo quando dele já não ouço os motores. Para onde irá? De onde veio eu imagino, mas não sei para onde vai. Nem quem vai e fazer o que. Eu nada sei de nada. Nem sei mesmo que noite é essa. A casa dorme, mas eu estou acordada. Quantos estarão também? Penso agora naqueles que descobriram que foram atacados pela maldição. Não há mais o que fazer. A vida está no fim, a esperança dobrou a esquina e não mais voltará. Solidão e impotência. Meus pensamentos não são profundos. Eu queria ter pensamentos profundos, mas os meus nem chegam a arranhar a superfície. Quem tem pensamentos profundos consegue pairar acima da superfície da vida e não se importar com a impotência. Nem com a solidão. Às vezes acordo e penso que o tempo não passou – estou em minha casa de A. imaginando: o que estarei fazendo daqui a tantos anos? O rádio está ligado e eu fantasio a vida. Onde estarei? O que estarei fazendo? Como serei? Pois eu estou aqui e não foi nada do que fantasiei. Não podemos viver nem de fantasias nem de lembranças. A vida real é uma só e nos cobra o tempo perdido. Sinto que as paredes do quarto estão se fechando sobre mim. Sem saída. Sem retorno. Duas mulheres passam na rua. São duas, eu percebo, porque conversam e as vozes são diferentes. Estranho. Não ouço seus passos, só as vozes. Uma é bem jovem é o que a voz cristalina me diz. A outra, não. Fala baixo, sem modulações. O que elas estarão fazendo em volta de minha cama? Como entraram se tudo está fechado, as portas e as janelas? Um cão late lá fora e elas se assustam e se esvanecem. Não quero vê-las mais, não quero ver nada mais. Cubro a cabeça e desapareço nas sombras.
Acordei sem nem mesmo saber se estava acordada ou dormindo. Uma estranheza vinda de sonhos que não pareciam meus. Mas eram meus, logo percebi. Eram meus porque eu era eu e tudo que havia em volta de mim era meu embora apenas pudesse perceber os contornos. Mas por que me pertenciam aqueles objetos, onde eu os fora buscar? Uma família de girafas olhava para mim do alto de seus longos pescoços. Será que de tanto andar com a cabeça nas nuvens acabei me transformando em uma girafa? Acho que não, meu pescoço é curto e gosto de disfarçar essa anomalia – profundos decotes em V ou U, sempre peço a costureira. Nada de gola agarradinha no pescoço. Mas que pensamentos despropositados? Estou deitada com a cabeça nos pés da cama, pensei. E como foi que eu vim parar aqui? Ouvi uma frase: sentimos solidão quando percebemos nossa impotência. Quem foi que falou? Conheço essa voz, pensei. Ela costuma forçar a entrada e depois não consigo me livrar dela. Solidão e impotência. Um avião atravessa a noite e eu continuo pensando mesmo quando dele já não ouço os motores. Para onde irá? De onde veio eu imagino, mas não sei para onde vai. Nem quem vai e fazer o que. Eu nada sei de nada. Nem sei mesmo que noite é essa. A casa dorme, mas eu estou acordada. Quantos estarão também? Penso agora naqueles que descobriram que foram atacados pela maldição. Não há mais o que fazer. A vida está no fim, a esperança dobrou a esquina e não mais voltará. Solidão e impotência. Meus pensamentos não são profundos. Eu queria ter pensamentos profundos, mas os meus nem chegam a arranhar a superfície. Quem tem pensamentos profundos consegue pairar acima da superfície da vida e não se importar com a impotência. Nem com a solidão. Às vezes acordo e penso que o tempo não passou – estou em minha casa de A. imaginando: o que estarei fazendo daqui a tantos anos? O rádio está ligado e eu fantasio a vida. Onde estarei? O que estarei fazendo? Como serei? Pois eu estou aqui e não foi nada do que fantasiei. Não podemos viver nem de fantasias nem de lembranças. A vida real é uma só e nos cobra o tempo perdido. Sinto que as paredes do quarto estão se fechando sobre mim. Sem saída. Sem retorno. Duas mulheres passam na rua. São duas, eu percebo, porque conversam e as vozes são diferentes. Estranho. Não ouço seus passos, só as vozes. Uma é bem jovem é o que a voz cristalina me diz. A outra, não. Fala baixo, sem modulações. O que elas estarão fazendo em volta de minha cama? Como entraram se tudo está fechado, as portas e as janelas? Um cão late lá fora e elas se assustam e se esvanecem. Não quero vê-las mais, não quero ver nada mais. Cubro a cabeça e desapareço nas sombras.