O LENDÁRIO ALMEIDINHA
Era manhã de segunda-feira no escritório, e os funcionários tinham, quase todos, chegado. Só faltavam dois. Logo veio ela, a estagiária. Chegou silenciosa, diferente do costume, sempre tagarela. Estava cheia de esparadrapos espalhados pelo rosto.
- O que que é isto, Maristela?
- Sofri um acidente de carro no sábado.
Por fim chegou ele, calado como sempre. Entrou e sentou em sua cadeira. A cara também coberta de esparadrapos. Não agüentei e tive que perguntar:
- Que que foi isto, Almeidinha? Acidente de carro no sábado?
- Puta merda...
Cada um de nós da sala olhou para o outro com um riso mudo na cara. Exceto a dupla que apresentava as escoriações. Mais tarde, durante o almoço, uma mesa só com homens, ele contava como sofreu o acidente:
- um cara me deu uma fechada às duas da madrugada...
- E a Maristela? é gostosa mesmo?
Eu não entendia o que fazia o Almeidinha ser o maior pegador de mulheres que eu conheci na vida. Era baixo, magérrimo, pardo, totalmente diferente do que as mulheres consideram em geral um príncipe encantado. Talvez fosse o cavanhaque cuidadosamente escanhoado, ou o perfume francês ou ainda o apuro com que sempre se trajava, sempre de roupas sociais. Ou talvez o carro, sempre do ano. No bolso da calça carregava um cortador de unhas e um pente que não se cansava de passar nos cabelos pixaim. E tinha uma voz cavernosa, quase mefistofélica.
- Porque você mesmo não vai lá saber?
Eu era muito tímido nos meus dezoito anos. Ficava sonhando com as meninas mas não tinha coragem de chegar nelas. Então era fã deste cara totalmente sem escrúpulos quando o assunto era pegar as fêmeas. Segundo o Camargo, melhor amigo dele, o segredo do Almeidinha era uma coisa descomunal, e que obedecia ao comando. Bom, ele devia saber, pois eram ambos freqüentadores de grandes orgias. Uma vez, quando saímos para tomar um chope, havia uma mesa de meninas de classe média ao lado da nossa. Sonho de consumo de qualquer tarado. Aí eu o desafiei:
- você diz que é o tal, quero ver se dar bem ali.
Ele logo sacou o pente do bolso, passou no cabelo e no cavanhaque e começou a olhar insistentemente para o grupo de alegres garotas, todas com idade para serem filhas dele. Depois de uma troca de olhares, começou a fazer alguns gestos. Durante o jogo de sedução, deu-me vontade de ir ao banheiro urinar. Quando eu voltei, o safado não já estava no meio do mulheril, e dando gargalhadas?
O cara era casado com Glorinha, uma senhora bastante ciumenta. Certa vez fizemos churrasco na casa dele, e a ouvimos comentar:
- se um dia eu souber que o Almeida está me traindo, ele vai ver! Eu corto os troços dele fora!
Claro que esta frase ficou antológica. Bem como outra que ela disse outra vez:
- eu ainda quero ir de surpresa a este tal de canico, onde sempre ele sempre vai.
O tal canico era um bar onde sempre íamos para as farras. O nome era Bar Caniço, mas como a cedilha era suprimida no boleto do cartão de crédito, ela não sabia pronunciar o nome do lugar onde poderia flagrar o marido na esbórnia.
- E aí, Almeidinha, naquela noite em que você bateu o carro com a Maristela, a Glorinha não soube de nada?
- Ela foi para hospital, e quando me viu todo enfaixado, só gritou: “meu coitadinho!” e me beijou.
- e nem ficou sabendo da Maristela sendo enfaixada na sala ao lado, completou Carmargo, com uma risadinha.
E aí ele nos conta outra aventura. Estava na casa de uma senhora casada, no bem-bom, quando ouviram o barulho de um carro chegando. Uma cena clássica:
- Meu marido!!
Como o quarto ficava no segundo andar da casa, ele saiu de cueca segurando as roupas, procurando um lugar propício para pular. Viu um monte de areia, destas usadas em construção, e pensou que seria boa para amortecer sua queda e pulou:
- Puta que pariu! A areia estava solada, dura que nem uma pedra, devia estar há muito tempo ali. Saí mancando dali...
- Ta pensando que pegador só se dá bem?
- E aí, Almeidinha, o que você vai fazer este fim de semana?
- Vou viajar pra pescar com o pai da minha noiva...
- E o velho sabe que você é casado e tem três filhos?
- Este é só um detalhezinho que omito...
Assim era o cara. Inimitável. Bom, aprendi muito com ele acerca das mulheres. Sempre me dava as dicas. Chegou até a escrever um “padrão” de como conquistá-las. Qualquer dia eu publico aqui. Mas, fora dos assuntos de mulheres, ele tinha uma outra faceta. Talvez fosse este lado que mais eu admirasse nele.
Era politicamente de esquerda e possuía uma firmeza moral impressionante. Não se furtava a ajudar os amigos sempre que necessário e não admitia injustiça. Por isso, no dia em que Camargo foi demitido devido atividades sindicais, que não eram toleradas pela empresa, ele pediu demissão em solidariedade ao amigo. Foi ser empresário e consultor. Ainda esteve no meu casamento.
É. Fui tosquiar usando o padrão que ele escrevera para conquistar mulheres e acabei tosquiado. Almeidinha ainda fez questão de filmar, já que a cerimônia foi muito simples, de baixo custo, apenas no civil. Posteriormente, por razões profissionais, teve que mudar de estado e nunca mais nos vimos. Mas ainda tenho saudades dele.