Doação de órgãos - Venci meus medos
Doação de Órgãos – Venci Meus Medos
A princípio quando ouvia falar em doação de órgãos ficava atormentada, acho que é a palavra. Minha ignorância em relação ao assunto me fazia pensar em doação de órgãos como “extirpação” ou “mutilação” não sei, mas algo que acabaria por culminar em morte.
Com o passar do tempo, lendo, ouvindo opiniões diversas e o acompanhamento da telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo entre agosto de 1992, a março de 1993 e de autoria de Glória perez, pude então ampliar minha visão a respeito do assunto. Uma fala do personagem de José Mayer, irmão da vítima vivida por Bruna Lombardi, foi fundamental para minhas reflexões:
“Por que não doar os órgãos de Betina e salvar outra pessoa se estes mesmos órgãos depois da utopsia irão parar numa lata de lixo qualquer?”
Eu não sei se isto acontece realmente, mas independente se esses órgãos vão para a lata do lixo, ou se serão enterrados, nenhum proveito o falecido terá deles e isso é certo.
Quando jovem me sentia muito bonita (modesta eu, não é? ) Meus grandes olhos com cílios longos e pretos chamavam a atenção. Certa vez fazendo uma maquiagem para uma ocasião especial a maquia dora, que não se cansava de elogiar meus olhos, me sugeriu não maquiar-me no dia-a-dia, mas apenas passar uma base leve, um brilho labial e um contorno bem caprichado nos olhos com lápis preto. Comecei a fazer assim. Hoje já não é suficiente, preciso maquiar por completo. Rsssss. Foi nesse dia, no entanto, que chegando em casa e admirando meus lindos olhos diante do espelho é que tomei a decisão de me tornar doadora de córneas... Tratei de avisar toda a família e imagina... já me senti cega, tamanho o apavoramento de todos principalmente de meu esposo achando que essa declaração minha não poderia vazar, ou de repente poderia ter meus olhos arrancados, roubados, seqüestrados, sei lá. Mesmo assim continuei divulgando.
Alguns anos mais tarde ao fazer a 2ª via do meu RG, fui questionada pela profissional que preenchia meus dados se era doadora de órgãos e tecidos para que a informação constasse na identidade.
___Êpa...espera aí! Sou doadora de córneas, ...é... de órgãos internos também, mas tecidos?
Ui! Ui! Ui! Ui! Senti até um arrepio. Imaginei-me uma barata descascada dentro do caixão.
Decididamente não! Só de córneas e órgãos internos.
Oh santa vaidade!
Vendo a minha reação a funcionária sorriu discretamente concluindo que eu não estava pronta para ser uma doadora, me informou que esse dado não constaria no documento devido as minhas restrições, mas que eu deveria comunicar a família sobre meu desejo, em caso sinistro.
Passado mais algum tempo compreendi que não se pode ser meio doador, é preciso ser uma doadora por completo, por inteiro, de corpo e alma, foi quando tomei a decisão e me tornei verdadeiramente uma doadora. Hoje anuncio com orgulho que sou doadora de órgãos. Quais? Ora, todos: córneas, órgãos internos, tecidos, ossos, sangue, medula e tudo que servir para salvar a vida de alguém ou pelo menos para minimizar o sofrimento de outra pessoa.
Compreendi também que para me tornar uma doadora, não dependia de uma tomada de decisão simplesmente, mais de um amadurecimento gradativo sobre a minha forma de pensar, minha cultura, meus medos.
É.Medo é a palavra certa.
Vou enumerar apenas os dois medos e o motivo maior que me levou a esse amadurecimento.
O primeiro medo está relacionado a morte e quando perdi o medo da morte. Sim, aquela senhora esqueleto, seca e traiçoeira vestida em sua mortalha de capuz preto, com uma foice na mão para ceifar as vidas de nós pobres mortais... Hum! Fonte das histórias ouvidas quando criança...Já adulta, bem mais adulta passeia vê-la, como um belo anjo de forma humana assim como o anjo do filme “Cidade dos Anjos”, ou seja a visão tenebrosa da morte que existia no meu inconsciente foi substituída por uma visão romântica e tem muito haver com os filmes que já assisti como Cidade dos Anjos, Coração Valente e outros que retratam a morte como uma passagem, um mistério a ser desvendado, um renascer..., e a compreender que a morte faz parte da nossa vida. Se bem pararmos para analisar; nossos animais morrem, nossas plantas morrem, nosso casamento morre, sentimentos que nutrimos por outros e vice versa morrem...Afinal, quem é a morte, aquela velha senhora seca em suas vestes pretas sentada a beira da estrada, ou num canto da cozinha, ou aos pés da nossa cama aguardando o tal momento...? Não. A morte é um anjo.
O Anjo da Morte que é enviado para nos acompanhar quando o número de nossos dias, tiverem chegado ao fim. Serei convidada à acompanha-lo, ou sei lá de repente serei levada em seus braços para uma outra dimensão, que não sei qual é, mas esperarei pacientemente para descobrir.
O segundo medo a ser vencido foi o medo do inferno. Tinha muito pavor em imaginar o meu encontro com o“capeta”. RRRRR. Credo! Na minha imaginação ele era horrível, uma criatura com forma física humana, mas cabeça de vaca, olhos enormes por onde saiam chamas de fogo e mãos cabeludas com longas unhas vermelhas e ainda uma boca cheia de dentes cariados dando gargalhadas estrondosas...
Sou católica, não tão praticante como deveria, mais o suficiente para crer que o “coisa ruim” como dizia a vovó está entre nós nos tentando dia-a-dia, mais que “JESUS CRISTO” é o Amor, é a própria Misericórdia, é o Senhor e se apieda de nós pecadores arrependidos e se Nele confio, não tenho porque temer o inferno.
E por conseqüência compreendi que o mais importante é a lição que o próprio “JESUS CRISTO” nos ensinou através de seus mandamentos:
“Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, ( Jo 15,12-17)
Ele doou sua vida por nós. Não só morreu na cruz como foi insultado, blasfemado, chicoteado e crucificado sendo Ele inocente. Imagina! Eu não preciso doar minha vida e nem passar por nenhuma das barbáries pela qual Nosso Senhor passou. Preciso simplesmente doar aquilo que para mim não fará nenhuma falta após minha morte e salvará uma ou mais vidas, minimizará dores, angústias, noites de sono, lágrimas. Compreendi que de nada valerá a beleza e a perfeição do corpo físico tão cultuado pelo mundo. O que importa é a beleza que carregamos no mais íntimo do nosso ser: O amor. Como disse Jesus:
“Ama a teu próximo como a ti mesmo”.(GL 5,14)
Resumindo, o motivo que me impedia de ser doadora era o medo da morte como passagem, o medo do inferno, e a veneração a vaidade. O apego ao material, ao meu corpo físico, de como os outros me vêem. Aqui na terra, ou no mundo espiritual.
Ser doadora não vai fazer de mim um zumbi ao chegar do outro lado da vida e nem no dia do Juízo Final, porque é o meu espírito que chegará até lá e o espírito é perfeito.
'' Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho para que todo aquele que Nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna".João(3:16)
Obs.: A intenção do texto não é discutir religião, ou criar uma polêmica mas compartilhar das minhas reflexões a cerca do assunto.