A Donzela e o Riacho.
A fazenda Vargem Grande situa-se numa planície e é banhada por um riacho de médio porte. Oriunda das montanhas, a corrente se precipita em cachoeira muito próxima à Casa Grande formando um lago límpido e profundo. Nele, quando o sol já vai alto e pendendo para o poente, uma imagem de menina se forma e se balança com o passar das ondas formadas pelo impacto da queda d’água.
Em pé e próxima do lago, um corpo bem feito, oculto pela saia balão e em tom rosa; sendo de estatura mediana, ajeita o chapéu sobre a fronte. O sol, quem sabe, encantado com a sua beleza, a banha de luz e calor. Sua pele clara mostra manchinhas sensuais que se estendem pelo pescoço em direção ao colo. Os olhos castanhos buscam nas redondezas algo de novo naquelas paisagens; o nariz pequeno e reto a diferencia das demais e, em todas as manhãs ensolaradas, ela vem apreciar o aroma do lugar. Instintivamente, olha ao lado e vê um lindo ramo florido, próximo aos seus pés, envoltos por delicados calçados de cetim que os protegem. Junto ao lençol aquoso, gentilmente se inclina, mas o chapéu branco se despreende da cabeça; com uma das mãos o recolhe e, com outra, apanha daquelas flores. O ato de agachar faz com que os cabelos presos acima das orelhas mostrem sua graça, enaltecendo as finíssimas presilhas de prata. São longos e fartos, dividindo-se em duas madeixas, uma para cada lado do rosto, indo até a altura dos seios, voluptuosos envoltos em babado colorido. Calmamente, ela se levanta, sorve dos odores relaxantes do lugar e repõe o chapéu. Os dedos suaves tomam uma das flores e a coloca sobre a orelha. Novamente, deixa inclinar-se, agora sobre as águas e, ao ver sua imagem refletida, entreabre os lábios médios num sorriso manso e provocante. Das flores que colhera, seus dedos hábeis dividiram algumas pétalas em partículas e as despejaram no rio. Nele, peixinhos vêm à tona para recolhê-las. Com suas formas graciosas, aparentavam fazer “biquinhos”, como se estivessem enviando beijos à distância. Por sua vez, nas margens, aquela jovem se encanta e, levando os dedos nos lábios, os retribui. A encenação do beijo a deixa pensativa. Seus olhos, mais sérios, mostram que, entre a singeleza, já desponta um pouco de malícia. Entende que sua hora está prestes a chegar: o momento de partilhar dos assuntos secretos em que sua mãe e as comadres se fazem cautelosas, quando notam sua presença. Quem sabe se o sonho de toda donzela não se realize? E, no seu tempo, um príncipe não despontará em trajes elegantes, montado num cavalo branco, vindo das colinas, tomá-la-á nos braços e conduzi-la-á ao paraíso dos amores? Os lábios, agora ofegantes, mostram a ansiedade e o desejo de ser tocada por um senhor gentil, num ambiente dócil e seguro. Estando sozinha, toca discretamente os seios e lentamente deixa cair uma das mãos por sobre o corpo, acariciando o vestido e a pele macia, numa busca silenciosa, aflorando à imaginação, na procura de sensações que a vida não lhe ofereceu; porém, ela está disposta a prová-las. Nesse devaneio, é alarmada pelo som do sino que dobra na fazenda. É a chamada para o café da tarde e quando todos os caboclos se reúnem. Ainda com a pele ruborizada, procura recuperar o ar de seriedade, respira fundo; então, ajeita o chapéu na cabeça, atira as flores ao riacho e magistralmente caminha, em silêncio, na direção daqueles que a esperam.
Outubro de 1990.
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