Se uma criança pintasse minha vida...
A vida do poeta era assim: uma casinha com chaminé, sem fumaça, perto de montanhas, numa noite escura e sem lua, sem estrelas e dando para ver apenas o vulto das coisas.
Era um desenho triste, e se algum dia alguém tentasse desvendar este cenário, ficaria imóvel, pois não saberia onde pisar, se haveria algum perigo. Era apenas uma casinha na escuridão.
Mas chegou o momento de o sol nascer. E foi depois de terem dito que a casinha ia cair (pois tinha paredes podres) mas não caiu...
E este sol veio de tão longe que parecia nunca chegar, mas chegou. E tudo começou a se mostrar vivo. Da chaminé da casinha, uma fumaça veio saindo devagarzinho, talvez preparando um café para começar bem o belo dia que se anunciava.
E do lado da casinha deu para ver que havia duas árvores, já era possível ver que havia nuvens lindas no céu e que os pássaros voavam ansiosamente, aproveitando o calor, a luz, o brilho. E a casa, que parecia morta, reviveu. Dava para ver que havia até um caminho saindo de sua porta e este caminho acompanhava o lago ali perto. A casinha agora tinha rumo!
Não havia nada antes, mas o sol mostrou que tudo estava ali, que a vida estava paradinha, mas que esperava apenas o momento de recomeçar. E como foi bom ver que a casinha era viva, que havia muito por se contemplar, que a alegria finalmente chegou pintando de azul, amarelo, verde, laranja, rosa, a casa e o mundo dela.
Por quanto tempo poderia ficar assim? Por toda a vida, desejava o poeta, cuja casinha nunca pareceu tão alegre, tão feliz, tão apreciada, tão querida, tão importante.
Mas e o sol?
Ah...
O sol não parou sua trajetória. Demorou para surgir, numa noite quase que boreal, mas não conseguiu ser sequer austral o dia feliz daquela casinha do poeta.
E o sol se pôs...
Ai, Papai do Céu, como era bom se a noite viesse quente, úmida e serena... que ela caísse apenas como um lençol. Pois tudo estaria no seu lugar e, mesmo que a escuridão voltasse, era possível saber onde tudo se encontrava.
Mas e a tempestade? Malvada...
Trovões, relâmpagos e muita chuva... água salgada, chuva torrencial entre estrondos e vendaval. Talvez um furacão, um desastre sem medidas.
E tudo o que estava em seu devido lugar não permaneceu assim. O poeta clamou, que eu ouvi: "Sol! Volta, sol! Nããão...".
Mas o sol estava com os anjos e nenhum viu no que deu.
E hoje a casa está na escuridão de outrora. E o poeta sabe, porque viu durante o dia, tudo o que de bom havia em seu cenário, encoberto agora pela escuridão da noite. Mas a tempestade bagunçou tudinho!
E o poeta, feito um louco... tonto e sangrando (não de propósito, de acidente), está com carinha de triste cantando para a lua (escondida) assim:
Haveria noite mais preta que esta que aqui tem?
Não pode ser mais quieta, tão silente e sem ninguém.
Não tivesse a tempestade o que era belo, quebrado
Talvez soubesse que ainda, apesar da noite vazia,
Houvesse na escuridão o belo outrora contemplado.
Mas hoje, depois do choro, vi o que a tempestade fazia:
Pegou meu mundo perfeito, e deixou descordenado.
Deixou tudo fora de ordem. Vazio. Chorando. Quebrado...
Chora não, poeta.
Chamo Mamãe, que vai cuidar de você, viu?