A literatura na era da informática

O alcance à literatura dos livros, em geral dispendiosa, é um privilégio das classes abastadas, portanto da minoria da população. Aqueles que comumente têm mais contato com a literatura, os estudantes, na maioria das vezes sentem-se praticamente obrigados a ler obras descontextualizadas de sua realidade, apenas em cumprimento ao currículo escolar, pouco contribuindo para a formação de novos leitores. Assim, a leitura descompromissada, pelo simples prazer de ler, encontra pouco espaço entre a maioria dos jovens, que preferem outras atividades que permitam a interação e a descontração entre pessoas de hábitos e idéias semelhantes.

Com o avanço tecnológico característico da contemporaneidade, notadamente o advento da internet, nunca a literatura foi tão acessível e esteve tão exposta como nesta última década. A internet, por sua capacidade de alcance que praticamente não encontra fronteiras, é a responsável pelos novos meios de produção e consumo da literatura, como os “blogs” - abreviatura de Weblog, instrumentos de divulgação literária, que não eram inicialmente destinados a tal utilidade, de acordo com o comentário da Vidal, Azevedo e Aranha (Das telas para o papel: blogs como fonte para a literatura de massa. www.utp.br/interin/artigos/artigo_dissie_elisa.pdf. Acesso 20/10/2008):

Por volta de 2002, esta ferramenta começa a se tornar um fenômeno no Brasil, com intensa disseminação ao longo do ano de 2003. Neste momento, seus usuários eram majoritariamente adolescentes que utilizavam os blogs como diário “virtual”, sendo, todavia, muito desta produção considerado irrelevante. [...] Se, a princípio, os blogs eram vistos como diários virtuais de adolescentes, mais tarde passaram a representar uma forma simples e de baixo custo para a publicação de histórias, da análise dos acontecimentos. A partir da produção textual deste grupo, os blogs começaram a ganhar novos usos e popularidade. Começou-se a perceber que o blog não era somente um diário de adolescente, podendo ser tomado também como veículo para divulgação de conteúdos literários.

Os “blogs” podem ser criados com muita facilidade, e hoje existem milhares deles, usados para diversos fins, inclusive por escritores sem apoio das editoras, que desejam divulgar suas obras de maneira mais barata. São veículos de circulação rápida, dinâmica e acessível da literatura de massa, onde o escritor se unifica com o leitor, suscitando uma nova forma de relação entre produção e consumo literário nunca antes observada.

Uma das marcas dos “blogs” é o hipertexto, que consiste numa rede de múltiplos segmentos textuais conectados, mas não necessariamente por ligações lineares. O escritor de um hipertexto produz uma série de previsões para ligações possíveis entre segmentos, que se tornam opções de escolha a ser feita por cada leitor que, em geral não são similares ao de outro. Portanto, na leitura do hipertexto, cada percurso textual é tecido de maneira original e única pelo leitor. Não existiria, dessa maneira, um único leitor, mas sim uma coletividade de leitores, numa única interação de indivíduos que produzem conhecimento e navegam juntos.

Os “sites”, outro importante meio de propagação da literatura na rede mundial de computadores, são criados especificamente para esse fim. Apresentam algumas características semelhantes às dos “blogs”, como a interatividade com os leitores e as construções coletivas. Diferem na estrutura e não são muito numerosos.

Os “blogs” inegavelmente exercem grande influência na produção e recepção literária pós-modernista, porém o assunto não será aqui tratado com maior profundidade, visto que esta pesquisa será direcionada aos “sites”. A preferência se justifica em virtude das características já citadas e outras, como a ampla concentração de escritores não profissionais, as informações da capa desses “sites” que facilitam a escolha dos textos, a imensa quantidade de publicações, a variedade de categorias literárias, o que tornam a pesquisa mais interessante. Sem levar em conta os gêneros literários, alguns textos publicados nesses veículos foram selecionados para serem submetidos a análise, objetivando identificar neles características pós-modernistas, bem como a linguagem poética contemporânea, que certamente terá gravada em sua fisionomia os traços marcantes da internet.

Para isso foram selecionados dois “sites” em língua portuguesa entre os mais conhecidos: “Usina das Palavras” , doravante UP e “Recanto das Letras”, doravante RL. A publicação simples, sem formatação e imagens, nos “sites” costuma ser gratuita. O autor que deseja uma publicação mais elaborada pode escolher entre algumas formas de assinaturas disponíveis, cujo valor varia de acordo com o prazo de validade e os recursos de publicação desejados. É interessante observar a convivência harmoniosa da literatura virtual com a tipográfica, notando-se os anúncios de livros sobre os mais variados temas, feitos nas laterais das páginas que contêm textos virtuais. É a mercantilização da arte literária levada às últimas conseqüências.

Em rápida pesquisa sobre o consumo da literatura tipográfica na atualidade, constata-se que nunca foi tão grande a quantidade de livros vendidos. Verifica-se também que essas produções literárias se modificam com a mesma velocidade com que os valores e os paradigmas têm se transformado. A lógica dos autores geralmente é orientada pela lógica do mercado, produzindo aquilo que garante consumo rápido e grande lucratividade. Basta dizer que as obras mais vendidas são alvo de muita polêmica, pois sua qualidade literária é discutível, e privilegiam temas ligados ao exoterismo, a auto-ajuda ou o hiper-realismo, e nada acrescentam de novo em termos de literariedade capaz de causar impacto e encantar o leitor, o que permite levantar questão se atualmente a prática da arte literária estaria relegada à industrialização e mercantilização da literatura. Segundo Rebello:

A indústria cultural vende Cultura. No entanto, para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor e não o fazer pensar. Nesse sentido, a Cultura é tida como lazer e entretenimento, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da imaginação, da sensibilidade, da reflexão, da inteligência e da crítica não tem interesse, não “vende”. (Ilma da Silva Rebello in A literatura e a estética literária na era da “indústria cultural” disponível em <http:// filologia.org.br/soletras/12/01.htm. Acesso em 19/11/2008)

Questiona-se assim a atividade literária nesta civilização pós-moderna, pois as obras têm exposto os fenômenos sociais da época em que estão inseridas. Assim, novos conceitos vêm à tona, desafiando críticos e especialistas. Uma visão crítica sobre esse mercado procura encontrar o valor dessa produção literária quando os conceitos e as práticas culturais foram tomados pela mídia e pela lógica da lucratividade.

Nos veículos virtuais, a produção e o consumo da literatura ocorrem em velocidade espantosa. A cada minuto é publicado, em média, 1,4 novo texto, e a cada dia, em média 15 novos escritores são cadastrados. Talvez aqui caiba uma analogia ao fenômeno da compressão do espaço-tempo e seus impactos na vida social e cultural, conseqüência direta da aceleração do giro de bens de consumo, característica já observada na sociedade capitalista de meados do século passado, porém muito mais acentuadamente da década de 1970 até o momento. Estudos realizados por teóricos sobre os efeitos dessa aceleração na sociedade foram assim analisados:

A primeira conseqüência importante foi acentuar a volatilidade e efemeridade de modas, produtos, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas. A sensação de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar” raramente foi mais pervasiva [...] A dinâmica da sociedade “do descarte” [...] começou a ficar evidente durante os anos 60. Ela significa mais do que jogar fora bens produzidos [...]; significa também, ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser. (HARVEY, 2004, p. 258)*.

Entende-se, no contexto da literatura virtual, o descarte como a necessidade sempre premente de publicar novos textos, pois há um leitor ávido por novidades, aguardando ansioso pelo mais recente arranjo de idéias, vocábulos e figuras de construção. Tão logo lido, o texto é comentado sem uma reflexão crítica, na maioria das vezes apenas se elogia, coadunando-se com o que foi transmitido, pois é regra não emitir comentários ofensivos, embora não se delimite aqui a abrangência do termo “ofensa”. O autor novato que não foi notado no primeiro instante em que seu texto apareceu na página inicial, dificilmente será lido, transformando-se em uma semelhança de “agulha no palheiro”. O recurso para sair do anonimato é iniciar a teia propiciada pelos comentários, que na verdade são “links”- ligações - direcionados a quem comenta, numa tentativa de atrair a atenção dos outros autores/leitores sobre si, formando uma espécie de rede solidária.

* A bibliografia completa encontra-se ao final do texto "Conclusão".