A Pós-modernidade e o Pós-modernismo

O termo “pós-modernismo” é atualmente cercado de inúmeras opiniões, muitas vezes contraditórias, em relação ao seu significado, sua abrangência e até mesmo sua existência. O que há de mais comum entre os críticos que procuram teorizar sobre o assunto é que o termo é apropriado para nomear o período em que a industrialização, o capitalismo, a tecnologia eletrônica de massa e a globalização passaram a ditar as normas de comportamento do indivíduo e, conseqüentemente, um novo modo de organização da sociedade, notadamente em países do chamado Primeiro Mundo.

O emprego do termo “pós-modernismo” não é novo. Já em 1956, segundo Proença Filho, (1988, P. 12)* foi usado por Alceu Amoroso Lima para denominar o momento da literatura nacional. Entre outras questões que envolvem o assunto, a conceituação do termo é uma delas:

Se é preciso esboçar uma etiologia da expressão, deve-se observar que o termo mais usual e conhecido com o qual a palavra “pós-moderno” guarda proximidade, na forma e no conteúdo, é pós-industrial. A sociedade pós-industrial é que sucede aquela resultante dos tempos “heróicos” da Revolução Industrial do século XIX [...] É a sociedade da produção de massa, da química sintética, da eletrônica que dará o símbolo desta Segunda Idade: a televisão, automóvel da contemporaneidade. (COELHO, 2005, p. 54 e 55).

Ainda de acordo com Coelho (2005, p. 55) “abre uma revista de arte e estética e encontra-se a afirmação de que um certo Arnold Gehlen, teria sido o primeiro a usar o termo “pós-história”, e isso já em 1952 e “novamente” em 1961”. E ainda, que Karl Marx já fazia uso do termo no século XIX e que isso é suficiente para justificar a afirmativa de que houve uma divisão no processo histórico, compreendendo dois momentos distintos.

Mas nem todos os teóricos defendem a existência de um movimento ao qual se pode denominar pós-modernismo. Para alguns, é um movimento claro e bem caracterizado, ao passo em que outros argumentam contra esta teoria:

Restam ainda duas possibilidades lógicas finais, sendo que ambas dependem do repúdio a qualquer concepção de ruptura histórica e, portanto, implícita ou explicitamente, questionam a utilidade da própria categoria de pós-modernismo. As obras a ele associadas são reassimiladas ao modernismo clássico, de tal modo que o “pós-moderno” se torna pouco mais do que a forma do autenticamente moderno em nossos dias, e uma mera intensificação dialética do velho impulso modernista de inovação. (JAMESON, 2000, P. 84).

Há também aqueles que defendem o ponto de vista de que o movimento cultural chamado pós-modernismo é a continuidade do modernismo. Segundo Ana Cláudia de Oliveira, a manifestação à qual o termo denomina ocorre em paralelo à modernidade e dela não se desmembra, nem promove rupturas. Ela escreve:

Seu emprego faz-se também como matéria do plano do conteúdo, quando a retomada desses textos ou produtos culturais tem a função de figuratizar o mundo e o contexto cultural pelos meios mesmos que o formatam. [...] o novo produto textual visa despertar a atenção do destinatário e levá-lo a empreender uma revisão do próprio mundo cultural e de sua organização. Por operação de justaposição e de aglutinação, essa matéria significante inscreve, no todo de sentido e valores, sentidos e valores já existentes que estruturam, nessas interdisciplinaridades e intertextualidades, uma crítica às artes, às ciências e à sociedade de mercado, que atingia então uma surpreendente escala: se é exagero qualificá-la de planetária, é apropriadamente intitulada global. (in GUINSBURG e BARBOSA, 2005, p. 474).

Não se pode ignorar que a maneira de sentir, agir e pensar do homem contemporâneo é diferente daquela que marcou o período anterior à Segunda Guerra Mundial, com a crise do capitalismo e do socialismo, o advento das novas tecnologias e as grandes transformações políticas, sociais, econômicas e culturais. Essas profundas mudanças que afetaram toda a sociedade após os anos 60 estão diretamente relacionadas a acontecimentos marcantes. Dentre eles, a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a guerra do Vietnã, o pensamento científico, o desenvolvimento da televisão, passando pelo choque do petróleo, a queda do muro de Berlim, o fundamentalismo religioso até a explosão da tecnologia eletrônica visando sobrecarregar o indivíduo com informações, diversões e serviços.

A época das grandes transformações é também o momento em que o tempo e espaço se comprimem. Tudo passa a ser muito rápido, desde a produção ao giro das mercadorias, imposição das novas tecnologias. Acelerando o tempo de produção é imprescindível que também se acelere o tempo de consumo em favor da lucratividade. Modificam-se os modos de produção, agora em pequenos lotes, e também a contratação de mão-de-obra se torna mais flexível, de acordo com a necessidade do momento. A competitividade exige constante inovação tecnológica, rapidez e precisão das informações e acesso ao conhecimento científico. Os espaços geográficos precisam ser vencidos em questão de segundos. E assim, estas áreas se desenvolvem de forma nunca vista até então.

O comportamento humano também segue as tendências de mudanças, desvinculando-se dos antigos conceitos, valorizando a busca do prazer e liberando os impulsos. Exacerba-se o individualismo, o compromisso passa a ser coisa do passado, acentua-se a valorização do contraditório, do ambíguo, do efêmero, do fugaz, do fugidio. Entra em voga a sociedade de consumo:

O mundo real como que se desmaterializa, converte-se em signo; em simulacro. O consumidor compra a imagem do produto, não o produto em si. [...] Os veículos de comunicação de massa, aliás, notadamente a televisão, maciçamente consumidos, atuam como poderosos mecanismos de “reforço do comportamento heterodirigido”, isto é, da “conduta em que cada indivíduo pauta seus gestos pelos dos outros, num conformismo sistemático”. ( PROENÇA FILHO, 1988, p. 36).

Esse comportamento imprime seus traços na literatura pós-modernista que apresenta, dentre as características herdadas do modernismo, a descontinuidade representada pela quebra da seqüência previsível; a utilização de todas as linguagens, especificamente o humor, evidenciando o caráter lúdico da criação literária; o hiper-realismo, incorporando cenas que verdadeiramente ocorrem nas grandes cidades, e outras que promovem profundas reflexões existenciais; incorporação, num mesmo texto, de fragmentos diversos, de vários autores, estilos e épocas, caracterizando assim a presença da intertextualidade.

Outra característica é a simultaneidade de cenas, imitando procedimentos do cinema moderno, ao que Proença Filho (1988, p.43) denominou “fragmentarismo textual”:

É freqüente a associação de fragmentos de textos, colocados em seqüência, sem qualquer relacionamento explícito entre a significação de ambos. O leitor chega ao sentido do conjunto associando uns aos outros, a partir de traços semânticos comuns.

O narrador pós-moderno exerce uma função como de um observador, um repórter, por manter-se longe da cena que narra. A linguagem e os aspectos visuais são valorizados, bem como o uso da metalinguagem, prática herdada do Modernismo, que se torna mais freqüente. Destaca-se a tendência a eliminar fronteiras entre a arte erudita e a arte popular, com intensa valorização desta última voltada para a cultura de massa. Diluem-se também os critérios tradicionais de definição da estética.

O fenômeno cultural pós-modernista ainda não é bem compreendido, estudado e teorizado. Hoje, o que se diz a seu respeito é pouco mais do que questionamentos diante de atitudes diferenciadas, que não podem ser vistas como unicamente pertencentes ao fenômeno modernista. Por ser um processo em andamento, segundo estudiosos, sabe-se que as suas manifestações só serão plenamente conhecidas no futuro, mediante pesquisas da grande quantidade e variedade de suas obras.

* A bibliografia completa encontra-se ao final do texto "Conclusão".