A Modernidade e o Modernismo

O sentimento dominante no mundo pós-revoluções era de desencanto e decepção. A euforia dos primeiros momentos dava lugar à incerteza e a uma sensação de vazio, e assim, o sonho de transformar o mundo pela ciência, técnica e racionalidade dava sinais de enfraquecimento. Os pressupostos da renovação, que deveriam operar em conjunto, harmonicamente, começaram a se sobrepor, provocando o desequilíbrio.

A igualdade entre os homens e a organização soberana da sociedade, como idealizadas por Rousseau, foram reduzidas a um complexo jogo de interesses particulares, onde o que de fato prevaleciam eram as forças de mercado. Se por um lado a ciência e a técnica avançaram assustadoramente, a prosperidade social e cultural não se concretizou:

A modernização social trouxe progresso e ampliou as possibilidades de bem-estar do homem, mas, no seu curso, ele foi cada vez mais desindividualisando-se e fragmentando-se. A Razão tornou-se a válvula reguladora por excelência do seu comportamento social e possibilitou-lhe equilibrar-se nos seus múltiplos desdobramentos, entre eles o de chefe de família, trabalhador e cidadão. Em contrapartida, porém, acentuou como agentes reguladores e repressores, a consciência do dever, a presença da culpa. Se muito ganhou em melhoria das condições materiais de existência, isso muito lhe tem custado em termos de perda de identidade e de satisfação pessoal. ( PROENÇA FILHO, 1988, p. 13)*.

O otimismo de antes se transformou numa suspeita de que os ideais iluministas estavam condenados a voltarem-se contra si mesmos. A tão esperada libertação humana poderia se reduzir a um sistema de opressão universal.

No início do século XX o mundo experimenta a euforia da Segunda Revolução Industrial, intensifica-se o progresso da ciência, o mundo assiste ao horror da Primeira Guerra mundial, Einstein publica sua teoria sobre a relatividade. Teoria que mudaria por completo a noção de tempo e espaço que até aqui o homem concebia. As transformações afetam a arte, a filosofia, a ciência e a cultura em geral. “É um tempo cultural e socialmente multifacetado. . . A arte, mais uma vez, reflete essa dimensão e essa crise. E emerge o Modernismo, um estilo estético que não traz a marca da uniformidade.” (PROENÇA FILHO, 1988, P. 27). O homem agora vive uma constante desintegração, renovação, contradição, ambigüidade e angústia. A sociedade é cada dia mais complexa e mergulha em um emaranhado de informações. Tudo parece casual, transitório e arbitrário:

A transitoriedade das coisas dificulta a preservação de todo sentido de continuidade histórica. Se há algum sentido na história, há que descobri-lo e defini-lo a partir de dentro do turbilhão da mudança que afeta tanto os termos da discussão como o que está sendo discutido. A modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condições históricas precedentes, como é caracterizada por um interminável processo de rupturas e fragmentações internas inerentes. (HARVEY, 2004, p. 22).

Na arte, o movimento modernista buscava a renovação das formas tradicionais, que julgavam ultrapassadas, deixando-as de lado, para no lugar criar uma nova cultura. O rompimento com o passado na primeira década do século XX tentou redefinir as várias formas de arte, especialmente a literatura, pintura, arquitetura, escultura e música, de uma maneira radical. A arte clássica, que até então se limitava em retratar a realidade, foi repudiada em favor da liberdade de criação. Além das artes, o movimento também expressava uma nova forma do homem ocidental ver, sentir e interpretar a existência.

Em linhas gerais, a sociedade moderna gira em torno da “mobilidade”. Tudo está em movimento e tudo está em mutação. De início os avanços se medem por décadas, depois por anos e finalmente são quase diários. Este aspecto diz respeito às mudanças no relacionamento entre homem e mulher, empregado e patrão, branco e negro, criança e adulto, e também são mudanças morais e ideológicas. Outros aspectos modernos: a descontinuidade aparece no comportamento, no modo de pensar, na forma de representar, em tudo. O cientificismo: ciência é a pedra de toque, a substância alquímica de transformação de tudo. O esteticismo: à medida que o século avança, tudo – da publicidade à moda, do projeto de máquinas ao trato corporal – vai incorporando, se não o processo de arte, pelo menos as aparências formais da arte.” (COELHO, 2005, passim).

No Brasil, o movimento teve início em meio às conseqüências da Primeira Guerra Mundial de 1914-1918, que influiu no crescimento de nossa indústria e no conjunto da economia. A mentalidade renovadora chega à educação e à arte. No início de 1922, as manifestações modernas que até aqui eram tímidas e individuais eclodiram com a Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo. A arte moderna, até aquele momento colocada à margem, é agora reconhecida como expressão legítima da sensibilidade do povo brasileiro.

Seja como movimento renovador, seja como literatura, o Modernismo revelou uma adesão profunda aos problemas do país e de sua história. Nenhum outro movimento da literatura brasileira refletiu com tamanha fidelidade e liberdade de criação os anseios da alma nacional:

No Brasil, ganhou peculiaridade: encontrou terreno fértil na matéria brasileira e efetivou-se com um cunho nacionalista bastante acentuado, valorizador de elementos paisagísticos e históricos, marcado pelo humor, pela paródia e pela valorização do todo-o-dia e do popular dimensionados criticamente ( PROENÇA FILHO, 1988, P. 32).

Se o modernismo era a busca pelo novo, naturalmente enfrentou críticas, sofreu mudanças, desgastou-se, e deu lugar a manifestações que, para alguns teóricos, provocaram rupturas, mas para outros, confirmam as ideologias do movimento sem, no entanto, superá-lo.

* A bibliografia completa encontra-se ao final do texto "Conclusão".