O Iluminismo

1 – MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE: ANTECEDENTES HISTÓRICOS

O embrião da modernidade caracterizou-se como uma época histórica que se opunha à visão naturalista do curso do mundo, marcada pela autonomização do pensamento, o predomínio da ciência e da técnica. Foi um projeto ambicioso e revolucionário, que pretendia transformar a sociedade pela fé na ciência a na técnica aplicada às forças de trabalho, nas relações liberais do mercado como capazes de pôr em prática um estado próspero e justo. Coincidiu com a emergência do Capitalismo como modo de produção dominante nos países da Europa. A modernidade recebeu as influências do pensamento iluminista, que juntamente com a Revolução Industrial e a Revolução Francesa se constituíram marcos históricos do século XVIII.

1.1 - O Iluminismo

Inconformados com a sociedade baseada em privilégios feudais, irracional e opressora, alguns intelectuais da época levaram a público suas propostas de uma nova sociedade, mais justa, onde o governo garantisse a liberdade e a igualdade de todos perante a lei. O pensamento iluminista tinha como principal característica o racionalismo, o repúdio a qualquer religião, o anticlericalismo, o exame crítico das tradições e da fé numa ordem racional do universo. A razão humana seria então a “luz”- daí o nome do movimento - capaz de esclarecer qualquer fenômeno. Segundo Proença Filho (1988, p. 16)*:

É ponto pacífico que, nesse amplo período, o percurso da sociedade e da cultura passa a ser orientado pelo processo de racionalização e por um notável e cada vez mais intenso progresso científico e tecnológico. Ainda no século XVIII, começa-se a acreditar que, aliada à ciência, a Razão “ilumina”, “ilustra”, esclarece os homens, crença que conduz a uma expectativa otimista em relação às suas possibilidades.

O movimento representava a hegemonia intelectual da visão de mundo da burguesia européia e, assim, rejeitava as tradições e atacava as injustiças, a intolerância religiosa e os privilégios típicos do Antigo Regime, abrindo caminho para a Revolução Francesa.

O Iluminismo surgiu em uma época de grandes transformações tecnológicas, com a invenção do tear mecânico, da máquina a vapor, entre outras. Foi o período que marcou o fim da transição entre feudalismo e capitalismo. O homem iluminista acreditava na presença de Deus na natureza e no homem, e no seu entendimento através da razão. Negava a necessidade de intermediação da Igreja entre o homem e Deus e pregava a separação entre Igreja e Estado:

A crítica iluminista dirigiu-se contra a tradição e a autoridade daqueles que se arrogavam a tarefa de guiar o pensamento, e contra o dogmatismo que os justificava. Essa luta contra as verdades dogmáticas deu-se, na esfera política, com a oposição ao absolutismo monárquico. (BARSA, 1997, vol. 8, p. 26)*

Os precursores do Iluminismo foram René Descartes, matemático e filósofo francês, defensor do método lógico e racional para construir o pensamento científico; Isaac Newton, cientista inglês, descobridor de várias leis físicas, entre elas a lei da gravidade. Para Newton, a função da ciência é descobrir leis universais e enunciá-las de forma precisa e racional.

Dentre os filósofos teóricos do Iluminismo destacaram-se:

John Locke, representante do individualismo liberal, em sua principal obra, “Ensaio sobre o entendimento humano”, de 1690, propunha que a experiência é a fonte do conhecimento, que depois se desenvolve por esforço da razão. Para Locke, o homem, ao nascer, não possui qualquer idéia e sua mente é como uma tábula rasa. O conhecimento, em decorrência, é adquirido por meio dos sentidos, base do empirismo, e processado pela razão.

Voltaire, crítico implacável da Igreja e da intolerância religiosa, era o símbolo da liberdade de pensamento. Defendia uma monarquia que garantisse as liberdades individuais, sob o comando de um soberano esclarecido; Montesquieu pregava a separação dos poderes do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário, como forma de proteger as garantias individuais.

Jean-Jacques Rousseau foi o iluminista mais radical, precursor das idéias socialistas, ao contestar a propriedade privada, e do romantismo, ao afirmar a prevalência dos sentimentos sobre a razão. Em sua obra mais conhecida, “O contrato social”, defendia um Estado voltado para o bem comum e a vontade geral, estabelecido em bases democráticas. No “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens” (1755), realçou os valores da vida natural e criticou o mundo civilizado. Para Rousseau o homem nasce bom e sem vícios, mas depois é pervertido pela sociedade civilizada. Defendia a pequena burguesia e inspirou os ideais da Revolução Francesa. No livro “Emílio” apresentou seu projeto educacional para manter o homem bom.

Outros dois pensadores de destaque:

Denis Diderot e Jean Le Rond d'Alembert produziram o grande monumento intelectual do Iluminismo: a Encyclopédie, obra portentosa que consistia numa série de artigos e ensaios de vários pensadores e especialistas, que versavam sobre o homem e suas "ciências, artes e ofícios". A Encyclopédie, que se estendeu por 35 volumes e teve notável influência intelectual na Franca e em outros países, deu grande impulso ao progresso e à ciência. (BARSA, 1997, vol. 8 p. 26)

Aplicado à vida social e política, o Iluminismo produziu duas correntes de pensamento: A fisiocracia, pensamento contrário à intervenção do Estado na vida econômica. O mais importante representante da escola fisiocrata é François Quesnay, médico francês que defendia a existência de um poder natural em ação nas sociedades, que não devia ser contrariado por leis e regulamentos. Para ele o capitalismo agrário, com o aumento da produção agrícola, era a única alternativa capaz de gerar riquezas para uma nação.E o liberalismo econômico, cujo principal inspirador foi o economista escocês Adam Smith, considerado o pai da economia política. Autor de “O ensaio sobre a riqueza das nações”, importante obra da literatura econômica, atacava a política mercantilista por ser baseada na intervenção estatal e sustentava a necessidade de uma economia dirigida pelo jogo livre da oferta e da procura de mercado. Para Adam Smith, a verdadeira riqueza das nações está no trabalho, que deve ser dirigido pela livre iniciativa dos empreendedores.

O liberalismo econômico recebeu, posteriormente, a colaboração do sociólogo e economista inglês Thomas Robert Malthus. Ele sustentava a idéia de que a produção de alimentos cresce em progressão aritmética e a população em progressão geométrica, gerando fome e miséria das grandes massas. A natureza corrige essa desproporção por meio das guerras e epidemias, que reduzem a população. Malthus recomendava ao governo antecipar-se à natureza negando assistência social às populações, especialmente hospitais e asilos. Às populações, aconselhava a abstinência sexual como forma de diminuir os índices de natalidade.

As idéias racionalistas e iluministas influenciaram alguns governantes absolutistas, que pretendiam governar segundo a razão e o interesse do povo, sem abandonar, porém, o poder absoluto. Os mais célebres foram: Frederico II, da Prússia; Catarina II, da Rússia; o marquês de Pombal, ministro português; e Carlos III, da Espanha. Eles realizaram reformas que ampliaram a educação, garantiam a liberdade de culto, estimularam a economia, fortaleceram a igualdade civil, uniformizaram a administração pública, introduziram a separação dos poderes judicial e executivo, mas mantiveram a servidão e a autocracia, aguçando as contradições sociais e políticas.

Em síntese, os iluministas eram otimistas críticos, e tinham a razão como valor supremo. Para eles, as desgraças humanas como a guerra, a pobreza e os governos opressores existiam em conseqüência da ignorância, obscurantismo, preconceito, fanatismo e dogmatismo. A humanidade iria conhecer o progresso, a harmonia e a paz quando se organizasse em instituições racionais e os governos se guiassem pela luz da razão em lugar das trevas do preconceito e das superstições. Foi um período em que, de acordo com Proença Filho (1988, p.16):

o homem passa a valorizar o saber e se preocupa com mudanças radicais que logo começam a ocorrer em inúmeros setores sociais e culturais, à luz da ciência e da técnica, iluminados pela razão.Tem início a Era da Máquina. Novos rumos delineiam-se nas relações sociais.

Para os teóricos do Iluminismo o homem é naturalmente bom e todos nascem iguais. É corrompido pela sociedade, em conseqüência das injustiças, opressão e escravidão. A solução é transformar a sociedade, garantindo a todos a liberdade de expressão e culto e fornecendo mecanismos de defesa contra o arbítrio e a prepotência.

Nessa época, paralelamente às transformações causadas pelo pensamento iluminista, a aristocracia perde poder, que agora passa para as mãos da burguesia. O capitalismo ganha impulso, a tecnologia avança, a produção dos bens de consumo conhece uma aceleração sem precedentes na história. Era a Revolução Industrial a pleno vapor.

* A bibliografia completa encontra-se ao final do texto "Conclusão".