A CIDADE QUE SE AFOGOU

GUAPÉ: A CIDADE QUE SE AFOGOU

Leopoldina Lília de Oliveira Maia foi a entrevistada escolhida por ter vivido sua infância na época da inundação de Guapé e ser grande conhecedora da história desta cidade.

Fico emocionada em contar fatos da antiga Guapé, cidade onde nasci e que hoje adormece sobre as águas.

Tudo teve início em meados de 1600, com os índios da nação Cataguá, que foram os primeiros habitantes das matas de Guapé onde existia a cascata do Rio Sapucaí, próximo de onde hoje é o arraial dos Penas, na piracema os peixes subiam a cachoeira de aproximadamente 4 metros para a desova, tudo ia muito bem até a chegada dos bandeirantes paulistas juntamente com Lourenço Castanho que venceram a guerra com os índios e os expulsaram daqui.

Em 1862, dona Angélica, casada com um fazendeiro residente aqui, estava no tear enquanto uma escrava mexia um tacho de sabão, houve um grande tremor de terra. D. Angélica prometeu que se o fenômeno não se repetisse doaria um pedaço de terra a São Francisco para a construção de uma igreja . E assim deu-se início ao arraial que mais tarde se transformou em distrito e depois em cidade no ano de 1924. Naquela época até o governador Melo Viana veio prestigiar a transformação para comarca. O primeiro prefeito de Guapé, foi Dr. Passos Maia, médico caridoso que mais tarde tornou-se Senador da República.

Quando eu era criança gostava muito de ir à casa da tia Nicota que ficava na Rua 3 de Fevereiro, bem perto da Ponte Virgílio de Melo Franco, 2ª maior da América Latina, onde nadávamos no Ribeirão Aguanil. Quando dava enchente um senhor chamado Pedro Cavalhada, avô do atual Dr. Pedro, atravessava a ponte com as pessoas nas costas e cobrava 50 mil réis por cada travessia .

Gostávamos muito de ir à represa do senhor Idelfonso que ficava embaixo da máquina de limpar arroz. Os meninos nadavam pelados com medo da bronca de suas mães. Gutinho, moleque encapetado, subia no telhado e de lá pulava e todos aplaudiam.

Outra atração da época era o circo. Certa vez ao montar o circo, as armações caíram mataram o palhaço Xereta, todos na cidade ficaram chocados com este acontecimento.

Como naquela época não havia televisão, as famílias costumavam fazer visitas à noite e as crianças ficavam brincando.

As construções da época eram muito bem feitas, entre elas o correio que era feito com placas de vidro, a igreja que tinha estilo barroco, lindas colunas e um confessionário de madeira. Havia em Guapé um padre muito severo e dedicado chamado Monsenhor João Oeninng ele viveu aqui por 46 anos.

Antigamente para se comer frutas como goiaba, mangas, laranjas só na época da safra. Às vezes, quando meu pai viajava de caminhão para São Paulo e trazia algumas maçãs.

Certo dia Ermiza, Zita (sobrinha do padre) e eu resolvemos roubar mamão na casa do padre, a Zita aceitou, mas pediu para não falarmos ao padre que ela estava junto com a gente, como era Semana Santa, todos nós tivemos que confessar . Ermiza confessou primeiro e da fila ouvimos ela falar ao padre que nós tínhamos roubado mamão na casa dele, mas que tinha sido tudo idéia da Zita. E ela da fila gritou “tio Padre eu não roubei só comi” e todos na igreja começaram a rir.

Em Guapé havia cinema, um ótimo hospital, a Escola Dona Agostinha Flor de Maria de 1ª à 4ª série com professores cultos . O nome da escola era em homenagem à primeira professora de Guapé , professora de cultura vasta e bilíngüe. Os alunos tinham aula até de acordeão. Havia aqui também um asilo com várias casinhas antigas e nelas moravam pessoas pobres e loucas como dona Maria Rolinha, que catava pauzinhos e latinhas pela cidade e quando chovia ela dizia que eram raios de prata e não tinha medo da chuva.

Certa vez, o senador Passos Maia soube que os rios Grande e Sapucaí seriam represados para construção da Hidroelétrica de Furnas, e Guapé seria inundado.

Depois de muitos anos de agonia, descrença e espera as águas foram chegando e hoje cerca a cidade que foi reconstruída. Muitos já haviam ido embora, outros não acreditaram e quando as águas chegaram saíram desesperados tentando salvar animais, colheitas, houve aqueles que só saíram retirados de helicóptero. Alguns loucos ficaram e Guapé virou manchete.

Moro até hoje aqui, apesar das mágoas adormecidas amo esta nova cidade. As águas da represa de Furnas parecem amenizar as tristezas causadas fazendo de Guapé um lugar lindo, proporcionando aos habitantes e turistas muita diversão e lazer.

Luís César de Oliveira Júnior da 7ª Série A

Aluno vencedor das Olimpíadas de Língua Portuguesa “Escrevendo o Futuro”

Da E.E. Professor Antônio Passos Silva de Guapé- MG

Modalidade “Memórias”

Luís César Oliveira Júnior
Enviado por Luís César Oliveira Júnior em 29/10/2008
Código do texto: T1254393