QUEM É TEREZILDA?...
QUEM É TEREZILDA?...
Repetidas vezes a vi naquela rua sombreada por árvores centenárias. Só que naquele sábado ela não se encontrava. De cócoras, alinhava-se junto ao meio-fio da calçada com as saias recolhidas para dentro das pernas e de caneta em punho ficava rabiscando seus dizeres.
Um dia, tive vontade de falar-lhe. Quando retornei, já se tinha ido. O desencontro hoje também se deu, ela já tinha estado na sua tribuna de rua.
- Como eu sei?
O mural de que se utiliza estava cheio de seus comunicados. É tudo tão bem ordenado e caprichosamente alinhavado com pequenos gravetos trespassados pelo papel, que, enfiados pelas ranhuras do painel de ferro daquele casarão, parecem-me pegadas brancas de alguém que quer mostrar ao mundo, que apesar de tudo, é um ser humano que existe e disso faz questão.
Recordo do seu semblante catônico, a pele enrugada e descolorida que veste aquele corpo magro, há muito denuncia sua luta, seu sofrer só e seus vôos desencontrados na decantada demência apurada por aqueles que de nada sabem, mas afirmam ser louca, como aquele desabrido professor, cansado do magistério.
É certo que morava em algum canto daquele elegante bairro.
- Mas, onde?
- Seria seguro?
A sua segurança era a loucura personificada no seu constante falar, ritmado, incompreensível, e, pelas carantonhas que faz, assegura o seu livre ir e vir, sem que alguém a moleste. Sua vocação para escrever, constante, prolixa, neolítica como quisesse se localizar numa ordem social da qual fizera parte alguma vez e de há muito se apartou.
Digo isso, porque atrevidamente retirei do painel, sem a devida licença, um dos seus comunicados, cujo traslado faço a seguir, desconfiado da reprodução.
“SÃO PAULO 21 DE SETEMBRO DE 2008
EU, TEREZINHA FERREIRA DA SILVA, CHAMADA APELIDADA DE TEREZILDA POR OS DAMASIOS DA SILVA DE CANGUARAAMA COM QUEM EU, MOREI ATÉ OS 14 ANOS. SOU POBRE POBRE DESDE QUE NASCI. TODA MINHA FAMILIA É POBRE DO RIO GRANDE DO NORTE MAIS NUNCA COMEMOS RATOS E NUNCA PASSAMOS FOME”.
Agora sabemos que a Terezilda tem suas origens numa família potiguar, pobre pobre desde que nasceu e nunca comeu rato e tampouco passou fome.
A corte da solidão que vaga nas ruas e caminha dentro das pessoas, leva-as a angustiante inquietação de sentirem-se completamente sós no mundo, desesperadas, como se fossem os únicos habitantes dessa parida e mixada cidade.
Nenhum gesto amigo, uma palavra.
O isolamento se impõe na solitária vida, prematuramente morta e não reconhecida. Não é do corpo que eu falo, é do espírito, da alma, daquilo que não vemos, só sentimos.
É com esse sentimento que modificamos a realidade do existir. Na sua denuncia, na ânsia gregária do seu ser, de estar pretérito, conflagra a disputa diária que a faz ambular na ambiência das ruas à busca do reconhecimento e, o mural com suas pegadas brancas testemunha sua física presença, pois fantasmas não deixam rastos.
Quem sabe no próximo sábado!
Paulo Costa
setº/2008