Cenário antagônico
Vejo da minha janela breves momentos que nunca mais presenciarei. Todas as vezes que me debruço sobre as bordas de concreto, testemunho situações que podem marcar a vida daqueles anônimos, que contribuem com as suas atuações para tornar mais interessante o maravilhoso e inesperado espetáculo da vida real.
Neste momento observo um lindo e apaixonado casal de namorados. Estão sentados no banco da praça. É primavera. As flores preenchem o cenário com um maravilhoso universo de cores, tornando ainda mais belo um gracioso beijo apaixonado. São jovens. Um novo sentimento invade suas almas. Estão descobrindo um mundo novo.
O Sol com seus raios flamejantes se despede. O tom alaranjado do céu anuncia a chegada da noite. O casal se levanta e segue o seu caminho colorido. Uma breve distração e eles já não mais fazem parte do meu ângulo visual.
A escuridão me presenteia com uma linda lua. O céu está bordado com belas estrelas que preenchem o infinito. A noite se apresenta a mim com toda a sua singularidade e delicadeza.
A linda paisagem, digna de um belo sonho, compartilha uma triste realidade. Agora vejo menores abandonados, abrigados pelo banco que horas atrás abrigava um belo casal. Os tons suaves que envolviam um momento apaixonado foram substituídos por uma atmosfera sombria. O antagonismo chega a causar depressão.
O semáforo está vermelho. Os jovens injustiçados levantam-se e encarecidamente pedem algumas moedas a motoristas impiedosos. A fome os consome. Para fugir da realidade inalam insistentemente um tóxico conteúdo presente em uma garrafinha. O cheiro da cola invade-lhes as entranhas. Suas mentes já não estão mais ali.
Despeço-me daquele cenário paradoxal, o deixo para um próximo espectador. Fecho minha janela. Está tarde. É hora de dormir.