Maria Rendeira

Quantas e quantas noites Maria passou acordada esperando o seu amado.

Que numa tarde de outono pegou seu barco e entrou mar a dentro.

Então Maria resolveu tecer uma colcha de renda.Para o tempo passar mais

depressa

e a saudade doer mais devagar.

Eram pontos e mais pontos e a dor da solidão se escondia no rendar.

O povo não a via mais nas ruas.Seu rosto não era mais feliz.

Sorriso há muito não dava mais.Luz do olhar se apagou.Vida toda sem brilho.

As crianças não queriam mais dela se aproximar.Os amigos se afastaram todos

e outros tantos a chamavam agora de Maria rendeira.Maria que rendava pra

esquecer um grande amor.Maria que rendava pra ocultar a intensa dor.Anos e

anos se passaram.Fios

feitos remendados e desfeitos pra serem recomeçados.A colcha era tão igual

aquela saudade.Não terminava nunca.Fazia que acabava e começava de

novo.Maria esquecera de si.Maria se perdera no vento da ilusão.Nem percebera

que aquele amor não lhe bastava.Era tão pouco que mal lhe cabia no

abraço.Aquele homem que um dia se foi nunca havia feito dela uma mulher de

verdade.Mas apenas uma Maria que cumpria ordens.Recebia xingamentos e pouco

afeto.Uma Maria que não tinha vida própria e que quem sabe agora termina a

colcha e pela primeira vez tece a sua própria vida.

Otília Noronha
Enviado por Otília Noronha em 22/06/2008
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