Minha última mensagem
Nós somos seres humanos que nascem, crescem e morrem. A infância geralmente tem pressa em passar pela linha do tempo. Lembramos porém, daqueles sorrisos sinceramente abertos quando chagava o natal e sabíamos que o papai noel iria trazer aquele presente que tanto queríamos. Aquele abraço que nossas queridas avós, que o tempo encarregou-se de tirar desse mundo, nos dava, as tardes de domingo tão bem vividas. Nós não víamos a destruição do mundo, nós não nos dávamos conta do sofrimento que mora ao lado. Como eram bons tempos.
O que falar da adolescência? Ah! Tempos de garotos virarem super-homens e de meninas virarem mulheres maravilha. Tempos em que nós podíamos supor que éramos os reis do mundo, os donos da verdade, quando andávamos pra cima e pra baixo sem a interferência dos pais, empinando o nariz e disparando julgamentos a todos e a tudo, nos achando os seres mais perfeitos que existem. Mas, mesmo assim, eram bons tempos. O primeiro beijo, a explosão de hormônios e tudo o mais.
A juventude. Momento da nossa vida capaz de trazer e levar traumas, esperanças, alegrias e decepções. As noites intermináveis de angústia, os dias eternos de felicidade. Mesmo que o sol fosse embora, mesmo que as nuvens escuras insistissem em permanecer no céu acima de nós, continuávamos de pé, apoiados pelos amigos, pela nossa juvenescência...pela nossa esperança num futuro bonito.
Mas sabem, não me arrependo das coisas que fiz, nem queria voltar atrás no tempo. Hoje estou velho. Não perco tempo falando da minha vida na fase adulta, porque foi a mais perdida de todas. Trabalhava de segunda a sábado, das 7 da manhã às 8 da noite. Não tinha tempo de ver meus filhos, não tinha tempo para amar minha mulher, mas ironicamente trabalhava todo o tempo por amor à ela. É... acho que não fui tão perfeito quanto imaginava na minha vibrante adolescência. Ultimamente passo o tempo lendo alguns jornais, ouvindo música clássica e indo ao cemitério dar meus votos de paz à minha querida esposa. Não perco tempo seguindo religião, ou ideologia. Quero viver o mais intensamente que posso. Só não sei como fazê-lo.
Olha, andei pensando a respeito de Deus. Nunca havia parado pra pensar sobre Ele. Nunca perdi tempo rezando ou pensando nessas coisas. Mas agora, comecei a pensar e descobri que não tenho a mínima idéia do que estou fazendo vivo. Onde está esse criador que todos falam? Eu vivi por amor à minha família e segundo normas de conduta sociais apreciáveis. Tentei ser o melhor que pude. Mas acho que nunca fui nada. Quem é esse tal Jesus? Os religiosos o chamam de mestre, mas apesar disso jamais consegui aprender coisa alguma com esse homem. Já li a bíblia várias vezes e pareceu-me indiferente. Mas enfim, se dizem que ele é Deus, ou profeta, ou um ser superior, quem sou eu pra discordar ou opinar.
Hoje, um dia por semana meus netos vêm visitar-me. Acho que eles não se divertem tanto quanto eu me divertia na casa da minha avó. Mas eu dou alguns trocados pra eles. Eles gastam com roupas, com esses aparelhos tecnológicos, celulares, computadores, video-games. Eu preferia gastar com doces ou pipas. Tenho dois filhos, um homem de 42 anos e uma mulher de 35. E tenho dois netos, filhos do meu menino mais velho. Eles são bondosos, mas a minha menina quase nunca vem me ver desde que minha esposa morreu. Fui criança, fui jovem, fui adulto, fui um advogado de renome, hoje não sou nada. E acho até que nunca fui nada na realidade. Só não me dava conta porque escondia meu verdadeiro eu por de trás de uma máscara feita de consquistas, títulos e status. Na verdade, confesso a vocês que passo a maior parte do tempo nessa úlima semana ouvindo incessantemente a música "Funeral March" do Beethoven. Ela me intriga. Ando pensando demais na morte. Marcha funeral...acho que a minha já começou.
Não posso dizer que, apesar de minha vida ter sido apática, tirando a minha infância, gostaria de morrer. Gostaria de viver, só que de viver de verdade, queria ter mais tempo pra aprender a ser um homem. Digo gostaria, porque confesso que recebi num desses exames de rotina a notícia que um câncer alcançou-me perto do cérebro e que tenho pouco tempo de vida, e pouquíssima chance de sobreviver. Descuidei-me e deixei de ir ao médico dos 64 aos 73 anos. Sempre tive essa pretensão de me achar autosuficiente. Agora descobri que não sou. Creio que minha arrogância corroeu minha alma e meu orgulho destruiu minha personalidade. Despeço-me nessas últimas linhas desse mundo pouco acolhedor. Não quero deixar mágoas ou ressentimentos, mas deixo aí esse registro de um homem infeliz e impotente. Aos que leram esse texto peço de coração que aproveitem a vida, vivam no amor, na paz, na esperança, sentimentos que, um a um, aos poucos, foram desparecendo da minha existência. Adeus...e desejo-lhes uma vida mais alegre e esperançosa que a minha.