MANUSCRITO ACHADO NO METRÔ (IV)
MANUSCRITO ACHADO NO METRÔ (IV)
PASSEI ALGUNS dias desinteressado no manuscrito que encontrei num assento de metrô, apoiado no encosto dele. Hoje, ao chegar ao apartamento vi o caderno sobre a mesinha do notebook. Dirigi-me à copa-cozinha e passei um café. Ao voltar à sala, assuntei o noticiário da Tv, zerei o som no controle remoto e voltei a abrir o caderno encontrado no metrô. Continuei a leitura do texto a partir do parágrafo anterior ao qual tinha eu parado a leitura: o texto se reportava, até onde o compreendi, à realidade do país.
“ELES ESTÃO presos à uma força anímica poderosa. À uma nuvem de conhecimentos ordinários, emocionais, ao poder fenomenal de um cotidiano repetitivo que os condiciona ao modo de vida ao qual estão habituados. À dimensão condicionada do existir. Presos aos tentáculos de uma potência que, suponho, não pertence a este planeta. Uma potência Alien, que exerce uma poderosa influência parapsicológica, eletromagnética, sobre seus corações e às suas mentes”.
CONFESSO QUE, após a leitura do parágrafo acima, comecei a cogitar em olhar mais atentamente as pessoas com as quais cruzava nas calçadas das ruas e avenidas da cidade. Elas agora me pareciam meio que sonâmbulas, presas ao Inconsciente Coletivo da Cidade que as engolfava, talvez fosse melhor dizer: presas ao Inconsciente Coletivo que as precipitava numa dimensão de existência na qual viviam sem muita consciência do que faziam na própria vida e rotina. Cotidianas.
CONTINUEI A leitura do texto, ainda sob a influência de pensamentos antagônicos. Não seriam essas pessoas mais que fantoches de forças ignominiosas que as faziam levantar de suas camas e, mecanicamente, fazer uma refeição matinal antes de prosseguir a rotina em direção ao trabalho, ao intervalo do almoço, aos bate-papos sobre as querelas do custo de vida, dos empréstimos, da prestação do apartamento, da possível compra de um carro...
NÃO ESTARIAM essas pessoas vivenciando problemas de ereção, de relacionamento dos filhos, ocupadas com a prestação do coletivo da escola, da fixação dos jovens em celulares, uma vez fossem pais de adolescentes. Não estariam elas e seus lero-leros na hora do almoço, do cafezinho no lanche da tarde, mais ocupadas em não saber encarar a vida subterrânea na qual estavam mergulhadas, como se fossem peixes num aquário da sala de estar, da sala do trabalho???
SABERIAM ELAS que, realmente, não sabem se estão a viver neste mundo ou no mundo que as mantém suspensas nas águas profundas do subconsciente, plugadas nos combates subterrâneos, em lutas contra seus fantasmas antepassados, com suas culpas, que mal sabem ao certo que as têm??? A humanidade à qual pertencem não seria realmente visível a seus olhos nublados, obscurecidos por suas rotinas e condicionamentos???
ESTARIAM ESSAS pessoas sonâmbulas a viver numa consciência superficial de si mesmas??? Poucas delas teriam coragem de encarar que são prisioneiras de um terror inominável, que as faz temer sequer pensar em visualizar o que, nelas, as faz tão submissas??? E se uma delas despertasse pela manhã e dissesse a si mesma, tentando não ceder à modorra, à dormência costumeira, que as mantêm plugadas na rotina do Mundo ou submundo Cão, em que vivem ou sobrevivem???
E SE UMA E outra dessas criaturas depois do sono noturno, dos pesadelos e sonhos da madrugada, despertassem e dissessem a si mesmas, como se numa oração: “obrigado Senhor por saber quem sou. Obrigado Senhor por encarar essa rotina existencial que me faz consciente de vivenciar todo esse horror, e ao mesmo tempo encontrar forças para continuar a ser um Zé Ninguém. Obrigado Senhor por me conceder forças para aceitar a herança das tribos cansadas e aviltadas do Antigo Testamento”.
“OBRIGADO SENHOR, por estar mergulhado nas águas desse aquário pessoal, familiar e social, e não me permitir ser cooptado pelo satanismo demencial e opressor dos sacerdotes do Templo de Jerusalém destruído pelo rei Nabucodonosor. Agradeço-te Senhor, por ainda estar aqui, ter sobrevivido aos ataques demoníacos da ralé judaica empobrecida e vivendo de salários nos redutos do mercado comerciário das cidades demonizadas pela necessidade do ter sempre mais. Do ter como manter suas famílias condenadas à uma sobrevivência no deserto, como se ainda estivessem fugindo da escravidão no Egito”.
“AGRADECIDO SENHOR, pela coragem de não ser conivente com a moral das cidades israelitas que, antigamente, no Vale de Sidim de seus agronegócios, sobrevivem hoje no mercado lojista dos idólatras da modernidade. Obrigado Senhor, por saber discernir meu valor pessoal, impondo-me contra a sociedade supostamente vestal dos frequentadores e sacerdotes das Sinagogas de Hambúrgueres. Grato Senhor por não ser outra mercadoria à venda nos salões dos corpos usados e abusados pela luxúria dos sodomitas fixados na Bolsa de Valores do cocô”.
“OBG. SENHOR pelo privilégio de não ser partícipe da estratégia de dominação social dos habitantes da atualidade hitita, dos modernos povos indo-europeus, descendente dos povoados de antigamente na região da Anatólia. Obrigado Senhor por não ser submisso aos deuses malditos, nem tampouco aos orixás da Bahia de São Salva Dor”.
EU ESTAVA cansado de um dia estafante de trabalho. Parei a leitura do Manuscrito Encontrado no Metrô. Um outro dia estarei novamente motivado a, outra vez, promover nova leitura deste texto surpreendente, singular, proveitoso. No momento acredito que o sono me proporcionará sonhos que não serão, certamente, de Uma Noite de Verão.