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A cadela se chamava Laika, em homenagem à primeira cosmonauta que ele conheceu. Depois que ela fugiu João ficou meio bagunçado na cabeça. Falava sozinho, chutava os corredores, chorava sem motivo aparente e se isolava.
Não via mais os amigos e nem a TV. Esqueceu de devolver um livro pra biblioteca e, ao tentar utilizar o computador de lá, levou uma bronca da coordenadora pelo atraso.
Ficou com vergonha.
Tentou ligar pra Tamires, uma amiga que ele costumava sair de vez em quando pra desabafar.
"João, não rola... Tô tentando limpar a casa e as crianças não param quietas, não vou conseguir te ajudar hoje."
Ele queria falar sobre o álbum experimental que descobriu no YouTube, as guerras eternas que estão rolando no outro lado do Atlântico, o resultado do futebol, se era possível sair pra tomar um café e matar a saudade...
E a Laika.
Não rolou. Será que mando uma mensagem pra emissora de TV local? Pensou. Ficou com essa pulga atrás da orelha até tomar atitude e pegar o telefone.
"Oi, pode colocar na edição de amanhã que minha cachorra sumiu? tá no bairro tal... Se der fala que eu mandei um beijo pra Tamires e sinto falta dela... Não, corta essa parte. Só quero achar o cachorro mesmo..."
"Oquei, o senhor tem uma foto da dog pra gente exibir na vinheta?" Pela linha dava pra perceber que a atendente mascava chiclete e rabiscava alguma coisa num pedaço de papel, não dando tanta importância ao assunto. Essa era impressão que João tinha.
Ele leva a mão à testa. Puta que me pariu, pensa. Nunca tinha tirado foto do bicho. Engole o palavrão e gaguejando diz que não tem nenhuma mídia do pet.
"Aí fica difícil..." Dá pra ouvir uma bola de chiclete estourando.
Latidos na porta, descarga de adrenalina, João larga o celular no sofá e busca Laika que está com sede.
Esqueceu de terminar a ligação, a estagiária ouve tudo ri sacando outro Trident de menta.