A Montanha Encantada
Caminhavam pela trilha. Samuca, o guia, os conduzia. Tomás resmungava, reclamava e fazia grosserias com Cristina e o guia. Ela parecia chateada com a companhia daquele homem tão desagradável. O guia mostrava-se impaciente e a ponto de dar uma resposta naquele mal educado. Tomás era botânico, Cristina bioquímica. Estavam subindo pra chegar perto do topo da montanha onde estava uma base da indústria farmacêutica/cosmética para a qual trabalhavam. Estavam indo fazer estudos e pesquisas com plantas nativas em busca de princípios ativos para novos medicamentos e cosméticos. Eram doutores em suas áreas. Mais alguns impropérios e Cristina não se conteve:
—Escuta bem, Samuca e eu não somos obrigados a aguentar seu mau humor, sua grosseria e falta de educação. Por favor, caminhe calado. É melhor pra todos.
—Quem você pensa que é pra me mandar calar a boca? Fica na sua e não enche.
—E quem você pensa que é pra ficar falando grosserias e ofendendo seus colegas de caminhada? — ele engoliu em seco e se calou.
Já pela tardinha chegaram à base. Estavam cansados, estressados e sujos da longa caminhada. O jantar já estava quase pronto, já que tinha uma cozinheira e dois auxiliares ali. Tomaram um banho improvisado e jantaram. Não trocaram nenhuma palavra. Cristina foi logo pra sua barraca dormir. Combinaram de sair por volta de seis da manhã.
Caminhavam calados, o guia de má vontade com Tomás que continuava mal humorado e grosseiro. Cristina fazia sua parte e só conversava com o botânico o imprescindível. Voltaram à tarde. Estavam cansados e famintos. Mas tiveram um bom progresso. No dia seguinte tudo seguiu como o previsto.
No terceiro dia Tomás e Cristina encontraram uma área de mata de grande interesse e pela primeira vez conversaram amigavelmente. Foram se embrenhando e quando perceberam tinham se perdido do guia e não tinham a mínima noção de como voltar ao acampamento. Ficaram tensos e pensaram no que fazer. Tinham bastante água, alimentos pra sobreviverem por mais de um dia e meios de fazer uma fogueira. Tinham também uma barraca pequena pro caso de não conseguirem voltar. A tarde começava a cair e eles ali perdidos. Tinham passado por um pequeno e lindo lago com uma minúscula cachoeira. Ela disse que ia se banhar pois estava suja e cansada. Ele foi contra, ela só disse que esperasse ali. Meia hora depois, como ela não voltasse ele foi atrás. Ela se banhava nua na cachoeira e ao vê-lo tentou se cobrir e gritou:
—O que você está fazendo aí? Não disse pra esperar lá, não disse que ia me banhar?
—Mas tanto tempo assim pra se banhar? Eu também quero me banhar.
—Demoro quanto tempo quiser. Espere a sua vez.
—Egoísta. Já está anoitecendo. — ela saiu, se vestiu e deu lugar pra ele.
A água era extremamente agradável, cristalina e refrescante. Mas começava anoitecer e o vento soprava frio. Trataram de acender fogo, montar a barraca e fazer um lanche. Combinaram de se revezar entre dormir e manter o fogo aceso e vigiar. Tinham ainda a esperança que Samuca os acharia. Bem mais tarde, noite alta, Cristina dormia e Tomás vigiava. Por um instante ele cochilou. Acordou com um cenário que considerou dantesco. Deu um grito de puro horror. Cristina acordou assustada e apareceu na porta da barraca. Ao olhar não acreditou. Saiu da barraca e Tomás veio se postar atrás dela, completamente apavorado. Ela pensou que estava bem arranjada com aquele medroso covarde por companhia.
O cenário era totalmente irreal. As árvores pareciam salpicadas por pequenas estrelas que projetavam o brilho nelas. Todas pareciam ter bocas e olhos e seu verde era ofuscante. Moviam-se num balé estranho. Riam e falavam todas ao mesmo tempo. Na noite muito escura, era possível ver o semblante de cada árvore. Algumas começavam avançar, indo em direção a eles. Cristina teve medo, mas Tomás estava apavorado e se agarrava a ela. Pedindo pra ele se acalmar ela tentou pensar em alguma coisa. Aquelas árvores poderiam tragá-los sem nenhum esforço. Não pensou em mais nada a não ser em orar a Deus pra tirá-los daquela enrascada. Era muito jovem pra morrer assim, atropelada ou engolida por uma árvore falante.
Depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade, uma enorme árvore, que parecia ser a líder, se postou diante deles. Estavam paralisados de medo e apesar do frio e do vento gelado, estavam banhados em suor. Esperavam o veredicto da senhora toda poderosa, a árvore chefe. Ela os olhou com um olhar cortante:
—Saia de trás dela. Não tem vergonha? —Tomás postou-se imediatamente ao lado dela.
—O que pensam que fazem pisando o solo Sagrado da Montanha Encantada? Com que direito lavaram seus corpos sujos no Mágico Lago Azul? Podiam estar mortos agora.
—Nós não sabíamos, nos perdemos do nosso guia. Estamos aqui pesquisando espécies botânicas com potencial de ativo para novos medicamentos. Não queremos fazer nenhuma mal à floresta ou ao meio ambiente. — responde ela, Tomás está mudo
—Eu sei o que estão fazendo. Então vocês acreditam no poder das ervas e plantas? Não parece estranho? Os povos originários desta terra tinham seus pajés que curavam todo tipo de doenças com as ervas e eram considerados charlatães. Depois vieram os negros escravizados e seus curandeiros que também curavam tudo com as ervas, foram considerados bruxos e bruxas que iam contra a religiosidade e ciência. Os curandeiros e benzedores sempre foram vistos com reserva e até como à margem da lei, no entanto faziam e fazem exatamente o que vocês estão querendo fazer, buscar a cura pela natureza. É a ciência vindo em busca do que povos antigos sempre conheceram. Só que os povos antigos preservavam a natureza e os povos modernos a destroem. Vocês vão explorar e enriquecer usando o mesmo que os curandeiros sempre fizeram de graça. Vocês se transformam em pessoas doentes, neuróticas, adoecem suas almas por causa de poder e dinheiro e depois pesquisam remédios para curar o que vocês mesmos provocaram. Esses remédios causam mais males que vocês precisam tratar e acabam se transformando em seres tristes, adoecidos de corpo e alma e sem saída. E deixam a felicidade e o bem viver sempre pra depois. Sempre deixam um rastro de destruição e desalento. E pensam que isso é ser racional, inteligente. Não vamos admitir destruição aqui. — Cristina diz baixinho para Tomás
— Fale alguma coisa, por que só eu tenho que nos defender? Você é o botânico.
—Ele é um botânico que nem liga para as plantas. Não se sente bem junto à natureza.
—Não é assim. Eu amo minha profissão e o meio ambiente. —Cristina diz
—Não vamos causar nenhum dano a este lugar ou à natureza. Nossa empresa tem compromisso com o meio ambiente, com o desenvolvimento sustentável.
—Sempre dizem isso. Queremos que se retirem da Montanha Sagrada assim que o dia clarear. Sigam sempre em frente, por aqui, até o grande tronco que está caído. Ali tomem o rumo à esquerda e chegarão ao acampamento. Guardem bem pois não vou repetir. Pra você, Cristina, vou deixar um valioso presente. Tomás, ainda esta noite você vai conhecer o amor e vai se transformar em uma pessoa melhor, é o meu presente pra você. Não perca a chance, não é qualquer dia que se pode conhecer uma pessoa especial. Apaguem já esta fogueira. Não é assim que se age na casa alheia. Podem dormir tranquilos. Nenhum mal vai lhes acontecer. Amanhã antes de partirem agradeçam ao Sagrado da Montanha e do Lago Azul a oportunidade de estarem aqui e de saírem vivos.
A grande árvore se afastou. Tomás abraçou Cristina e chorou, ela também desabou despois do grande medo e tensão. Dormiram um ao lado do outro dentro da pequena barraca. Tomás agradecia a Deus e a Cristina pelo grande controle que ela teve e por se sentir seguro ao seu lado. Sentiu uma grande simpatia e respeito por ela. No dia seguinte ao sair da barraca, Cristina encontrou várias amostras de plantas e entendeu que era o presente que lhe foi prometido. Iria pesquisá-las com carinho e Tomás reconheceria as espécies. A floresta estava tranquila, normal e só o barulho de aves e alguns bichos quebravam o silêncio. Em nada parecia com a noite anterior. Fizeram como foi mandado e partiram. Chegaram ao acampamento e não tinham coragem de falar sobre o acontecido na noite anterior. Nem sabia se tinham sonhado ou se foi realidade. Mas estavam diferentes. Uma simpatia nascia entre eles, talvez por passarem tudo aquilo juntos.
Nos próximos dias eles terminaram o trabalho. Voltaram à cidade, cumpriram os protocolos e Tomás foi embora. Mas ninguém pode sair da Montanha Encantada ou entrar no Lago Azul e permanecer igual. Talvez estivessem enredados pra sempre nas teias daquele lugar. Pensavam um no outro. Cristina não queria pensar com carinho num homem detestável como o que conheceu. Tomás não entendia o que acontecia e tentava fugir de seus pensamentos. Foi se abrir com seu melhor amigo:
—Você sabe que eu sempre fui um cara frio, sensato e objetivo. Sabe que sempre fiz o que bem quis das mulheres que passaram em minha vida e nunca me envolvi emocionalmente com nenhuma delas. E agora me pego pensando sem parar em uma mulher. Não quero me entregar a um sentimento, a uma paixão.
—Cara, você consegue perceber o tamanho da besteira que está falando? Você se vangloria de tratar as mulheres que estão com você como objeto, de tentar se esquivar de uma paixão. Entregue-se ao amor, ao sentimento, à paixão. Mesmo se tiver que sofrer e partir pra outra. Pare de viver se escondendo, vá viver intensamente. Nada melhor que uma paixão ou um mal de amor pra dar uma sacudida na vida, pra fazer saber que não somos robôs ou máquinas. Somos gente, temos coração, sentimentos.
—Coisa mais antiquada essa de se apaixonar, sofrer de mal de amor. Isto não é pra mim e não vou entrar nessa de ficar pelos cantos suspirando de paixão.
—Meu amigo, quem foi que te disse que o amor chega quando a gente quer ou não chega quando a gente não quer? Ninguém pode fugir do amor, do fogo da paixão. Ele chega quando bem entende e nos momentos mais improváveis. E quando se percebe já não tem mais jeito. E quanto mais se tenta fugir, mais ele vai enredando o coração, a mente e a alma. Pra que resistir? Quem foi que disse que amor é ruim? Pelo contrário. Por amor se faz as maiores loucuras, se comete os maiores desatinos e se vive o paraíso aqui na terra. Se você nunca amou até agora, não sabe o que perdeu. Pois se entregue e conhecerá o melhor da vida, Nada tem que ser pra sempre. A vida é o hoje, o agora, o momento. Privar-se de viver é estupidez que só os covardes conhecem.
—Não sou estúpido, sou racional. Não fico por aí caindo de amores pela primeira que aparece, como você.
—Posso ser um romântico, mas nunca vi uma montanha iluminada de estrelas, nem árvores de movendo, falando, cantando e interagindo comigo. Acho que você estava tão alucinado, embriagado de paixão pela colega que teve visões ou sonhou acordado.
—Nem sei porque te falei desses acontecimentos. Devia saber que não acreditaria. Mas ela também viu, presenciou. Será que ela também teve visões, sonhou acordada?
—Sabe o que você tem de melhor a fazer? Vá viver esta paixão enquanto é tempo.
—Nem sei se ela me quer.
—Vá lá e tente, lute e conquiste. Não perca a oportunidade de viver o êxtase da paixão.
Por muitos dias ele tentou resistir. Estava disperso, distante, bem distante dali.
Cristina estava saindo do trabalho, com o pensamento longe.
E deu de cara com Tomás.
Eles se olharam e se jogaram nos braços do outro num apaixonado beijo que nem queriam saber onde ia levá-los. Ninguém pode fugir de uma paixão…