Pela Eternidade

Nos últimos dias ele sentia que sua hora se aproximava. Noventa e oito anos. Nunca imaginou que viveria tanto. Aliás, teve um tempo em que nem queria mais viver. Até os quarenta e cinco anos sua vida era vazia e sem graça. Pensava que se morresse não faria a menor diferença, só deixaria dinheiro e tristeza pra trás. Tanto sofrimento que passou na sua infância e adolescência fez com que se tornasse duro, inflexível e frio. Seu pai era tudo que tinha na vida e quando ele faleceu pensou que não ia conseguir mais viver, mas foi em frente, assumiu os negócios e se fechou ainda mais.

Tudo mudou quando conheceu aquela linda e doce mulher. Tão mais jovem que ele, mas que o ensinou o valor da vida, E então o amor fez com que ele quisesse mudar. Foi tratar seus traumas, medos e revoltas. Tornou-se um novo homem. Ninguém que conviveu com ele antes o reconhecia. De dentro do coração cheio de amor as mudanças foram acontecendo e conheceu também a felicidade. Aos quarenta e sete anos se casou, ela tinha apenas vinte e dois. Todos se apressaram em julgar e dar um veredicto: era uma interesseira, ele estava repetindo a história do pai e muito sofrimento o aguardava. Não ligou. Em seu coração sabia que ela o amava.

Ela, sofrida e lutando com dificuldade pra sobreviver, era uma jovem que teve que amadurecer antes do tempo. Conheceu o amor de verdade quando o encontrou. Foram amparo e segurança um pro outro. Ele a cobria de mimos e luxo, fez dela uma princesa e ela o fazia o mais feliz dos homens. Aos cinquenta e quatro anos foi pai, mesmo depois que os médicos disseram que sua esposa jamais seria mãe. Consideravam um milagre o nascimento daquele menino tão lindo, com os olhos azuis do pai, a beleza da mãe e a inteligência brilhante de ambos. Ele sentia que sua vida começou depois de conhecê-la e que ela era um anjo que veio, quem sabe mandado pelo pai, para mudar sua vida. Estava casado com sua princesa há cinquenta e um anos.

Queria que a vida fosse eterna e que nunca tivesse que se separar da esposa. Mas sentia que estava próximo o seu fim e se sentia triste. Naquele dia, como todos os outros, almoçaram juntos. Ele foi se sentar na varanda. Ela entrou pra resolver um assunto antes de ir pra junto dele e apreciarem a linda vista que tinham ali. Sozinho, olhou ao longe e viu o pai. Vinha se aproximando lentamente. Ele sentiu uma agonia. Não queria ir embora. Amava sua esposa mais que tudo. Por que ter que se separar dela? Tinha o filho, os dois netinhos. Não queria ir. Pediu ao pai que voltasse muito depois. Sem sentir tombou a cabeça pra frente.

Ela chegou e o chamou. Ele não respondia. Tocou seu braço e viu que havia algo de errado. Gritou por socorro. Do alto ele via o desespero dela. Médicos tentavam em vão reanimá-lo. Seu filho chega e abraça o corpo inerte. Chora. Sua princesa está desesperada, chora muito. Ele observa tudo e não entende o que está ocorrendo. Quer consolar o filho e a esposa, mas não tem mais vontade própria. Mais tarde vê seu corpo num caixão. Então estava morto? Sente pena dos seus que choram a sua partida. Não sabe bem ao certo o que vai lhe acontecer a partir de agora. Está confuso.

Passados alguns dias, organizando as coisas, ela encontra uma folha de papel escrita por ele de próprio punho: “Quando tudo for só saudade, estarei presente na brisa que toca seu rosto, na lua que invade seu quarto, no travesseiro vazio ao seu lado, no sonho que embala seu sono, no perfume, na nossa música, nas lembranças. Amor que persiste além da vida, além da morte, além do tempo. E um dia nos reencontraremos e seguiremos de mãos dadas pela eternidade e ainda haverá muito amor pra recomeçar…” Ela chorou.

Muitas vezes ela sentia sua a presença ao seu lado, no quarto quando dormia, nos sonhos, por onde quer que fosse. Ele sempre chegava em seu quarto e tocava levemente seu rosto enquanto ela dormia, velava seu sono. Sempre que podia estava presente na casa matando a saudade de seu amor. Sentava-se ao seu lado no sofá enquanto ela lia ou ouvia música e a admirava. Não se acostumava com a idéia que ela não podia mais vê-lo. Queria que ela soubesse que era ele ali a cada dia naquela brisa suave ou no toque que ela sentia em seu rosto.

Os dias passavam lentos e ela sentia saudades. Sentia que precisava seguir em frente e deixá-lo descansar em paz. Ela sempre manteve o costume de se sentar na varanda após o almoço. Sempre sentiu a presença dele ali na cadeira ao lado. Olhava e sentia sua vibração. Conversava com ele e falava da saudade. Alguns anos depois ao se sentar não sentiu sua presença e estranhou. Ao olhar para frente viu que ele vinha em sua direção. Sorriu e perguntou se tinha vindo buscá-la. Viu um sorriso em seu rosto e tombou a cabeça para frente.

Ele tomou-a pela mão e foram caminhando. Pelo caminho tinha etapas e tarefas que ela tinha que cumprir. Pacientemente ele a esperava. Tempos depois eles seguiram de mãos dadas. Dançavam ao som de bela música, conversavam, se olhavam. Cada dia caminhavam pelo bosque e sentiam o amor se revelar. Olhavam o universo e se sentiam plenos de paz e amor. Rumo à eternidade…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 14/10/2024
Reeditado em 20/10/2024
Código do texto: T8173360
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.