TIO ARCIDO, O CONTADOR DE HISTÓRIAS
Por volta de mil novecentos e poucos, no Traçado, nos morros que até hoje podem ser vistos, em frente à casa do Tio Lesse, morava Tio Arcido, o maior contador de estórias que Urubici já viu. Eram estórias verídicas e estórias contadas.
Meia idade, Tio Arcido era português acaboclado, mas tinha uma memória muito forte e boa, eu o conheci quando tinha oito anos de idade e minha curiosidade sobre o que ele dizia era fantástica.
Eu conto algumas de suas estórias de forma simples, assim como elas eram contadas nas rodas de chimarrão, ou ao redor dos fogões, no inverno. Algumas dessas estórias são recordadas como sendo dele…
Tenho muitas lembranças dele, e minha família cultua Tio Arcido como o inesquecível velhinho que contava estórias. Tia Alda, Tia Maris, Tia Salete, Tia Tereza, Tio Jonas, Tio Lesse, Tio Antônio, Tio Vevino, Tio Vica, Tio Tuti. Somos todos arcidos por natureza.
São milhares as estórias que sabíamos, contadas por ele, ou por outras pessoas, como sendo dele. Contava sobre os bugreiros, sobre estórias fantásticas que não lemos em livros, por aí. As histórias mais arrepiantes que Urubici conhece foram contadas pelo Tio Arcido. Aquelas do Avencal, as do Panelão…
Tio Arcido se arrepiava todo quando contava as histórias da noiva do Panelão, da mão que acompanhava os motoristas à meia-noite. Sabia das origens do Morro Pelado e das cascatas de Urubici, contava em detalhes a festa do casamento do índio Bici com a formosa Ñnca Zurita, da tribo dos Kaiowá guarani.
Onde quer que fosse, lá estava ele, cercado de pessoas grandes e pequenas, ouvindo boquiabertas suas fantásticas estórias. As histórias de uma macaca, que pertenceu à avó de meu pai, eram sempre acompanhadas com interesse e entusiasmo, como se fossem capítulos diários de uma novela.
Sua casa de madeira era situada em meio ao pinheiral e pela situação, no alto, dava ao contador de estórias, uma visão de todos os fenômenos e acontecimentos em quase toda a região da vale. Era como um observatório. Ele tinha na ponta língua todas as lendas indígenas de Urubici, todo o passado de nossa cidade no tempo dos índios, coisas do Pericó, de Santa Bárbara…
Impressionante, porém, era seu tom de voz. Sempre um contador misterioso, que dizia coisas inacreditáveis parecerem verdades absolutas.
Suas estórias têm muito a ver com pesquisas até hoje realizadas por doutores e universidades. Elas faziam parte do medo social da época, e ele era um sábio medroso que sabia meter medo…
Tio Arcido era um conhecedor profundo de Urubici e, narrava com detalhes personalidades, temperamentos, tipos humanos, casas, acontecimentos e ilusões.
Todos, até hoje, contam estórias de Tio Arcido como se fossem pequenas verdades e, se hoje, Urubici é famosa por suas histórias, com certeza muito deve ao Tio Arcido. Sua criatividade era tão fecunda, que grandes e pequenos ficavam atônitos com suas explicações detalhadas sobre determinados acontecimentos, e gostavam de ouvi-lo até o fim. Tia Nica, sua esposa, não ficava atrás e, quase sempre, apoiava o marido, dizendo:
— Tá certo, home!