“ROBÔBINHA” (TETEIA) — II
“ROBÔBINHA”
(TETEIA) —II
ROSEMARY aprendeu a raciocinar com sua amiga que para ela não mais era, talvez nunca tenha sido, um fantoche eletrônico. Questionou a impossibilidade de duas realidades de formatação física, por vezes antagônicas (seres orgânicos/Inteligência Artificial) poderem criar, entre si. empatia. Pensou de si par a consigo: “um robô não pode ter pensamento crítico, inteligência emocional e empatia, criatividade, inteligência cultural e diversidade, entre outras muitas coisas mais”.
— “A possibilidade torna-se um evento real, se você acreditar nela, até ela sair do campo do possível e se tornar real”. — Teteia como que adivinhou o pensamento de Rose. Esta, pareceu não estar surpresa com o julgamento e a tomada complexa de decisão opinativa, que não é atributo, pelo menos teoricamente, de uma máquina de inteligência artificial. Mas Rosemary já se tinha habituado às surpresas na avaliação surpreendente da amiga que, para ela, era mais, muito mais que um engenho mecânico.
— A ciência robótica parece acreditar na irreversibilidade da presença humana, em sua criatividade. Pensar fora da caixa, criar, desenvolver soluções. Arnold, entrando na sala, cortou a fala de Teteia, dizendo: estamos em órbita estacionária. O campo gravitacional desse planeta sugere raras e extraordinárias conexões entre o estado mais sutil e o mais denso estado de vigília da matéria orgânica.
VIRANDO O rosto para Teteia, Mary pergunta: “você me ama”???
— Ama-se somente a possibilidade de se perder a consciência da conexão que se estabeleceu com o outro. O outro, outro, não sou eu. Amar é amar o medo da perder o pertencimento dele, a conexão. Você não me pertence. Eu não pertenço a você.
— Como poderia eu amar você??? — Continuou Teteia, ou a qualquer outro ser que não eu mesma??? Eu amo em você o que de mim se impregnou em você. O que existe de mim em você.
ARNOLD entra de gaiato no navegar verbal das duas personagens:
— Ouvindo vocês trocarem figurinhas, vejo como não é fácil vestir a camisa do time supostamente unificado de ambas. Como ter certeza de que vão fazer-se bem, mútua a mente??? Por quanto tempo preservarão o consenso a consonância, a conformidade??? O rosto de Rose mostrou-se cingido, submisso.
— Estar aqui, nesse universo estelar é como se não tivéssemos saído da cultura emocional dissociativa da Terra. — A fala de Rosemary, aproximando-se da janela panorâmica da sala de comando da nave, mal vislumbrando a luminosidade das estrelas devido a aquisição de velocidade da astronave que tinha saído doa órbita estacionária do planeta. Rose suscitou a intervenção do robô Teteia:
— Ansiedade e depressão são irmãs gêmeas, disse ele. Aproximando-se de Rosemary falou, mostrando certa irritação: não sacrifique a consciência desse fenômeno, no altar de culpas inexistentes, como se estivesse regressado a um passado longínquo, em que primatas neolíticos se reconheciam mutuamente culpados de mil transgressões brutais.
TETEIA também havia suspeitado de que Rose apresentava sintomas de regressão. O rosto parecia crispado com marcas em linhas salientes. “Uma diferença neurológica que não podemos superar entre nós” — ela comunicou, por telepatia, à companheira de viagem: “é a depressão por monotonia”. Com voz suave, reprovativa e sentenciosa reprovação, Teteia, disse:
— Não se reconheça em pessoas passadas. Elas são como um fosso sem fundo, no qual podem despejar toda água do mundo, e não será suficiente para preenchê-lo. Dotaram-me de um QI altivo, nem por isso me ufano dele. Não tenha empatia por elas, pessoas de vidas passadas. Elas só tiveram interesse por suas próprias ambições, cobiça, ganância, egoísmo e demais quefazeres. Todos eles advindos de conspirações de uma cultura do Inconsciente Coletivo Primata.
ARNOLD voltou a opinar ao dizer, em tonalidade pejorativa:
— Deus não está sujeito às mesmas leis de militância da matéria humana. Talvez Ele seja um tipo narcisista que só vê os próprios interesses, e não para de contemplar o próprio umbigo. Arnold fez uma pausa e continuou:
— Ele por certo não possui afinidades quando em sintonia com as mazelas humanas. Afinal, que fazemos nós aqui??? Mais algum tempo e não seremos mais humanos. Nossos sentidos já estão direcionados fora da realidade, dita humana, da Terra. Minhas percepções são outras, elas, percepções, estão direcionadas noutros rumos, que não aqueles da Terra na qual fomos formatados. Narciso criados para estarmos aqui. Fomos lançados nessa aventura. Meio sem saber.
ROSEMARY PASSOU a dizer que tinha superado os motivos pelos quais os sintomas de depressão se manifestaram. E continuou o raciocínio, com certo cinismo na voz:
— Estamos a navegar no universo interestelar para perpetrar a egolatria deles, os deuses astronautas. Eles nos precederam a existência por milhares, talvez milhões de anos. Eles formataram e colonizaram a Terra. Habituamo-nos a aprender a aceitar. Aqueles sentimentos, aquela educação, as percepções dos cinco sentidos nunca mais serão as mesmas. Passamos a outro nível de consciência. O coração das trevas em mim pulsa muito mais definitivo hoje, do que pulsava ontem, ao embarcar nesta aventura.
— Sim, afirmou Teteia, teu Inconsciente te manipula da profundidade mais oceânica à qual não tens acesso. Longe do alcance perceptivo da consciência. Seres humanos, biológicos, sempre estiveram indefesos, à mercê de conhecimentos e eventos que ignoram totalmente seus interesses. Seres biológicos, humanos, nunca terão interesses próprios.
ARNOLD ingeriu-se outra vez na conversa:
— Desde Caim, a família original nunca teve livre-arbítrio. Vocês j á nasceram traidores da própria espécie.
— É isto que quer dizer a narrativa do Livro da Gênese, disse Teteia: são criminosos natos.
— Minha memória quer voltar aos locais mais remotos que nos deram origem. Marte já tem dois milhões de habitantes. E ainda agora não sabem o porquê estão dirigindo-se a um lugar no Cosmo que, por determinismo da origem da espécie, será seu outro lar.
— O larbirinto cósmico não revela seus objetivos, disse Teteia, todos estarão sempre indefesos. Ignorando o que seja liberdade. Sempre desconhecendo de onde vieram e para onde se dirigem.