SONHO DE PEDRA (CATARSE)
SONHO DE PEDRA
(CATARSE)
SIM, EU SEI que me acho um rei. Um rei em busca de uma mãe, de uma vida, de um amparo, alguém em quem confiar. Em busca de uma mãe que jamais terei. Talvez Freud explique. As pessoas se iludem. Pensam que nascem de uma mãe, de um céu que as protege. Elas saem da urna, de um ventre inchado, de uma bolsa d´água da qual são vomitadas em meio a berros de dor. E lançadas numa família na qual a liberdade não passa de uma reiterada ilusão. Uma família centralizada numa ideia de pátria que apenas confirma a familiar opressão.
A SENSAÇÃO de que serão protegidas, crianças alimentadas com leite materno, de uma ama de leite com úberes supostamente fraternos. Mas logo chega à idade da razão e compreendem que perderam o que nunca tiveram: a promessa de uma crença de proteção. Somos, ainda hoje, crianças, criaturas que saíram do portal da usura, a desejar um afeto, uma ilusória ternura, um sentimento maternal de uma criatura parido, filho talvez de um estupro, de um embalo de sábado à noite, por sobre lençóis de uma cama, num motel de pernoite, gerado talvez num sofá por fulanos e beltranos alcoolizados.
EIS QUE ESTÁS num “lar doce larbirinto” à espera que o coração de pedra da doce matriarca venha afirmar a proteção desejada de lábios sorrindo. A criança nunca para de desejar o despertar do sonambulismo materno. Agora, adulto, deseja possa libertar-se da cidadela cinza, amniótica, que substituiu o líquido no qual foi gerado, no qual ficou aprisionado por, em média, nove meses.
NE INFÂNCIA EU me sentia aprisionado num lar doce lar em que as baratas, os ratos, os morcegos, os pássaros poderiam aos pais, dedurar você. A imposição familiar de uma única forma de pensar e agir. Uma família, uma educação, uma pátria monetizadas pelo consumismo fanático, por uma educação capitalizada pelo desvario do transtorno PSI, pela compulsão do consumir fanatizado pela cultura do entretenimento celular, classificada como uma doença pela Organização Mundial de Saúde.
— Mãe!!! Mamãe!!! Os braços e mãos estendidos num aflito sonho do qual não deseja despertar. Ele acha que achou, nas mãos estendidas, uma Nossa Senhora Aparecida na qual quer, com todas as forças que lhe motiva a festa dessa promessa, acreditar. Aquiescer, sentir a existência maternal. Crer que ela seja mais que uma ilusória percepção. Quer sentir um abraço que não vem.
NA IDADE cronológica ele é um homem, mas, em verdade, a si mesmo parece ser um menino em busca da toda poderosa energia de busca de uma identidade maternal até o momento desse sonho, inexistente. A parte superior do tronco levantada na cama, os braços e mãos estendidos, a voz surpresa e esperançosa, uma alegria inusitada, como um a flor que brota de repente, e repentinamente cresce no jardim até então carente da emoção materna. Ele berra de dentro do sonambulismo onírico:
— Mãe!!! Mamãe!!! Uma vivacidade da mente que não pode apalpar a maternal aparição a poucos centímetros à esquerda dos braços estendidos do homem/criança. Uma presença onírica que não quer negar-se presença. Uma jornada de sonho evanescente. Uma percepção como se fosse um luar persistente.
O OLHAR pedinte da criança/homem deseja vê-la, se possível abraça-la. Mas ela não se materializa. É um vislumbre, apenas. A emoção do encontro não com uma pessoa, com uma emoção intensa, maternal, apenas. Quem sabe inumana. Um ímã de persistente luminosidade, sem semelhança antropomórfica. Uma manifestação sobrenatural. A criança, desesperadamente indagativa olhou para a luz desse estranho luar e visualizou símbolos que não soube traduzir.
O MENINO/homem talvez também quisesse tornar-se parte dessa luminosidade, desse lugar sem consistência, como se fosse uma Área 51 habitada por uma comoção maternal. Não havia nenhum medo, nenhum temor. Ao contrário. Seria uma manifestação do astral??? Não mais que uma visão fenomenal???
SERIA ESTA, essa realidade, uma vontade manifesta, um direito a essa criança negado quando a figura da mulher e mãe era dominante na realidade familiar do grupo social ao qual pertenciam??? Queria ela depois da passagem para outra dimensão, redimir-se da indiferença mostrada ao menino, que de há muito não era mais uma criança??? A luminosidade era a manifestação de uma mãe que se queria mostrar, agora, não tão ausente??? Queria ela dizer que sentia não ter sido, quando em vida, mais presente???
MATRIARCA É um termo do século XIX, advindo de estudos antropológicos, cunhado para explicar a manifestação da vontade expressa, secreta, dissimulada, furtiva, de uma mulher e mãe dominante num grupo familiar e social, no qual exerce potência, soberania, superioridade, arbítrio. É a força dominante, abusiva, despótica, violenta, força de mando, oculta, extrema, veemente, inflamada. Essa força estava a se manifestar de maneira sobrenatural par a o menino. Queria com isso dizer o quê???
QUERIA DIZER que estava arrependida por não ter compartilhado emoções de matriz protetora, sede de sensações vitais ao desenvolvimento do filho??? Queria dizer que reconhecia sua falta de sentimento, seus impulsos autoritários que provocaram turbamentos mentais nos quais tudo podia ela querer e dizer, mas jamais conseguia ouvir as razões de um filho que se pensa??? Que por vezes manifestava sua desaprovação com relação ao seu nefasto autoritarismo materno???
— Mãe!!! Mamãe!!! Queria finalmente mostrar-me um coração que poderia ter sido vivido, mas sempre fora devorado e recolhido no propósito de negar a expectativa de liberdade intelectual e crescimento do filho??? Ela, uma criatura sem manifestação racional, com orientação de propósito ilusionista, prestidigitador.
— Mãe!!! Mamãe!!!, por não ter tido educação nenhuma, exceto a ajustada em paradigmas educacionais dos séculos mais passados, de uma interioridade de almas que iam buscar nos círculos de pedras, tipo Stonehenge, uma aprovação, uma libertação de sentimentos reprimidos, uma purificação, uma catarse, uma expiação para uma interioridade má, que não cansava de se aproveitar da inocência das crianças, seus invisíveis filhos. Seria esta uma manifestação do córtex pré-frontal???